Jornal Miradouro, ano 62, n.º 1699, 3.ª série, 25-02-2011, fl. 1
Hoje (25-02-2011), o jornal Miradouro, órgão da imprensa que tem defendido os interesses locais e regionais, brindou-nos com uma imagem do escritor Guido de Monterey, fazendo alusão à sua condição de autor adorado ou detestado. Estou em crer que ninguém de bem “detestará” o sr. Guido de Monterey, dado que é, com certeza, benquisto na sua comunidade e querido pela maioria dos cinfanenses que se habituaram às suas crónicas jornalísticas ou aos seus livros, vendidos por todo o lado, desde livraria a retrosarias. Devo lembrar, aliás, que o primeiro livro que li sobre Cinfães e que despertou em mim o interesse por querer saber mais sobre a minha terra foi o Terras ao Léu: Cinfães.
Os livros de Guido de Monterey, sempre edições do próprio autor, vibram desde a capa até à última página do miolo, por serem profundamente garridos no seu desenho e adjectivados na sua linguagem. De resto, a obra deste escritor, publicista, monógrafo, etc, natural de S. Cristóvão de Nogueira é fecundíssima. Poucos regionalistas da palavra escreveram tanto em tão pouco tempo, editando, lavrando polémicas, guiando turistas por montes e vales, ilhas e cidades e fazendo por escrever história a partir do seu jardim. A sua biografia pode ler-se em várias páginas de grande parte da sua obra, sobretudo a que diz respeito às tais monografias de Cinfães. Quando escreve sobre Cinfães, Guido de Monterey (ou José Rosário Guisande, seu heterónimo) põe sempre algo de si e dos seus nos ensaios e livros que frequentemente inaugura. É famoso, por exemplo, por ilustrar qualquer narrativa com as suas estrelas, estrelinhas e flores, metáforas para as personagens femininas que o marcaram ao longo da sua vida.
Em 1944 passou pelo Seminário Menor, em 1947, pelo Seminário Maior de Lamego e, tendo tentando a Universidade (curso de Direito), logo desistiu, tornando-se um autodidacta da escrita. Num tempo em que a escrita, fosse ela profissional ou meramente recreativa, estava vedado à maioria, Guido de Monterey destacou-se na produção literária do tipo regionalista. Devem-se-lhe páginas realistas de novelas como “Os Bêbados”, “Os Penduras”, etc, focando tipos e cenários próximos ao autor. No âmbito da História, Guido de Monterey, como se sabe, não é historiador. Como muitos amadores que ao longo dos anos 70, 80 e 90 criaram uma quase escola de monógrafos locais, foi desenvolvendo trabalhos metodologicamente nulos e cientificamente incipientes, que misturam lendas com factos, documentos com divagações pessoais, criando más interpretações e, sobretudo, contribuindo para que a História, já de si complexa, dificilmente seja “lida” por qualquer cidadão, de forma clara e compreensível.
Cabe, porém, destacar a tenacidade do autor e, sobretudo, a sua versatilidade que tem na obra novelística o seu interesse maior e mais grado, quanto a nós. E, infelizmente, nestes quase 70 anos de produção, nunca o município, na pessoa dos seus Presidentes ou da edilidade deu o devido valor à obra deste romancista. Enfim, quando a cultura é um estorvo, tudo atrapalha.

Nuno Resende, Historiador
Nasceu na vila de Cinfães em 1978