Nesse sentido, e utilizando este espaço, tentarei minorar o impacto que tal texto poderá ter na comunidade docente e discente, efectuando algumas notas e comentários ao mesmo. A itálico segue o texto original, a negrito, intercaladas, as minhas anotações:
A partir da reforma implementada por Costa Cabral, em 1842, o concelho de Cinfães obteve os actuais contornos geográficos e administrativos [mentira: a primeira alteração dos limites municipais do velho concelho medieval deu-se em 1836, com o Código Administrativo de Silva Passos] mas só a 24 de Outubro de 1855 é que foi promulgado o decreto-lei que formalizou o decreto-lei que formalizou a constituição do convo concelho. E assim surge, em Dezembro daquele ano, a primeira câmara eleita, do actual concelho. No entanto, não foi pacífica a situação nos anos que se seguiram. [não? e qual a razão? quais os intervenientes? as circunstâncias de tal situação?] Já antes do 5 de Outubro de 1910, Pedro Pinto Miranda, tentou organizar uma força republicana no concelho e consegui a aderência [aderência é para os autocolantes, adesão é para as pessoas] de elementos valorosos [e quem foram esses elementos, e valorosos porquê?]. E, após, a revolução de 5 de Outubro, proclamou a República nos Paços do concelho e indicou ao governador civil os nomes do administrador e dos cidadãos que deviam constituir a comissão administrativa republicana do município [de resto, uma obrigação imposta a todos os municípios pelo novo regime]. Mas os monárquicos continuaram a assediar (escusado o termo) e ocuparam mesmo os cargos administrativos [o republicanismo, em Cinfães, município rural, profundamente avesso ao anti-clericalismo, por muitos “adesivos” (1) que tivesse, era um concelho essencialmente fiel ao regime monárquico deposto, por isso os cargos administrativos acabavam por cair na mão de monárquicos ou ex-monárquicos]. Assim foi em 24 de Dezembro de 1917 quando o Padre José Vieira Gonçalves de Freitas e o seu bando monárquico [aqui não se devia aplicar a expressão pejorativa “bando”, dado que se trata de pessoas e não de aves] tomou posse como administrador. A instabilidade do governo de então, levou a que os monárquicos constinuassem “a sua guerrilha; ao ponto de dinamitarem a ponte de Mosteiro [leia-se Mosteirô], para bloquearem a entrada.
[Nova mentira e nova inexactidão: em primeiro lugar não foi a instabilidade do governo de então que levou ao suposto assalto do Padre José Vieira Gonçalves de Freitas; a oportunidade do Sidonismo abriu a porta a muitos ex-monárquicos ou sidonistas para para combater o Partido Democrático que desde 1911 governava o país, apesar da Constituição republicana permitir o multi-partidarismo; em segundo lugar não havia um clima de guerrilha em Cinfães, entre monárquicos e republicanos, como o texto, insidiosamente, faz crer; existiu, isso sim, em Janeiro de 1919, uma adesão muito expressiva, aliás, à monarquia do Norte, ou seja à restauração do Reino de Portugal, com sede no Porto, a que se juntaram os municípios do Norte do país; Cinfães também aderiu na pessoa do Padre José de Freitas. A dinamitação da Ponte de Mosteirô surge na sequência deste movimento da Monarquia do Norte, mas ainda hoje não se sabe quem levou a cabo tal acto: se os monárquicos, se as tropas republicanas. De facto, se os monárquicos queriam suster o avanço republicano a sul do Douro, estando as tropas de Abel Hipólito, governador civil de Viseu, na margem de Cinfães, também a estas interessava conter o movimento monárquico na margem norte. De qualquer forma, como a História é frequentemente escrita pelos vencedores, a República usou os implicados no movimento monárquico de 1919 como exemplos para futuras revoltas, punindo-os em julgamentos pouco claros].
Por isso, como professor e historiador, só posso lamentar e repudiar o epílogo que se segue, sobretudo porque escrito e dirigido a crianças:
Contudo, o castigo recai sobre os “maus” e são presos os autores de tal acto. Mas a República conseguiu sobreviver até aos nossos dias. Por isso, é com sabor republicano que estamos a celebrar o centenário da República.
Realmente, e como vivemos em República, alguma historiografia e alguns estoriadores têm qualificado os republicanos como os “bons” e os monárquicos, os “maus”. Esta visão maniqueísta, não só compromete a nossa História, mas contribui para a deseducação. Em História não há bons, nem maus. Existem factos, registados em documentos, que o historiador interpreta, tão-só.
A má qualidade informativa, gramatical e histórica deste texto anónimo, mas da responsabilidade da Câmara Municipal, instituição pública que superintende à Cultura e a Educação no município, só se anula, em parte, pela sua reduzida dimensão. Neste caso, pode dizer-se que a ignorância foi uma benção. Mas até quando poderá continuar a subsidiar-se o mau, o desinformativo, o tendencioso? Até quando poderá alimentar-se a Cultura a chavões, a Educação com palavras vãs, e o Turismo com paisagem, gastronomia e artesanato? Se a História é alma de um povo, parece que cada dia que passa, nos tornamos um simples corpo vazio, desmoralizado, tristemente pobre e andrajoso…
Nota 1: Adesivo foi o nome encontrado pela comunicação social para designar os monárquicos que, para acederem a cargos públicos ou políticos, se fizeram republicanos, após o 5 de Outubro de 1910.
Nuno Resende, Historiador
Nasceu na vila de Cinfães em 1978
Boa noite , têm conhecimento de algum padre ( abade ) chamado Joaquim Teixeira dos santos de cinfães por volta 1919 aguerrido defensor da monarquia ?
Sim, foi administrador do concelho, nessa época conturbada.
Bom dia, caro Paulo. Temos sim. Em breve falaremos das questões entre República e Monarquia, em Cinfães.