Lima Machado Pereira.

Está patente, até dia 24 deste mês, no Museu Nacional Soares dos Reis (Porto), uma exposição sobre o mestre pintor Artur Loureiro que marcou o panorama artístico português e australiano de finais do século XIX e primeira vintena do século XX. A mostra integra um espólio variado, grande parte dele inédito, sobre a sua fulgurante, extraordinária e eclética carreira que o levou do Porto à Europa e à Austrália, onde ainda hoje é tido como nome maior da pintura e do movimento arts & crafts. Seu amigo e discípulo foi Lima Machado Pereira, que morou largos anos em Boassas, Cinfães.
António Joaquim Fernandes de Lima (que mais tarde adoptou o nome artístico de Lima Machado Pereira), nasceu na freguesia de Cedofeita, Porto, a 30-12-1877 e faleceu na casa do Oratório, lugar de Lodeiro, freguesia de Oliveira do Douro, a 25-12-1945. Nascido numa família de comerciantes dedicou-se à pintura já bastante tardiamente, sendo seu mestre e amigo, Artur Loureiro quando este vivia já uma fase avançada da sua carreira, como artista consagrado – entretanto regressado da Austrália (1901) para onde fora trabalhar anos antes.
Lima Machado Pereira (assinando já com os apelidos do seu mecenas e cunhado, o Visconde de Machado Pereira, que contribuiu para a sua sustentação em Paris) frequentou as melhores escolas europeias da época, e bebeu na capital francesa todas as influências que esperavam beber os bolseiros ou artistas livres que lá se dirigiam. Porém, a Guerra de 1914-18 obrigou-o a deixar os estudos académicos e a regressar ao Porto, onde prosseguiu a sua aprendizagem na Escola de Belas Artes, sendo então aluno de Marques de Oliveira e Teixeira Lopes.
Escolheu Cinfães para instalar o seu atelier e o seu eremitério.

Na terra que o seu coração e o seu pensamento elegera, lá em cima, nas serranias da proximidade do Douro, ele criara o seu último e verdadeiro ninho. No ponto mais elevado duma colina, entre pinheiros da sua particular simpatia, afastado do mundo, mandou construir uma casa, com espaçosa oficina, onde realizou a maior e melhor parte da sua obra magnífica. § A Casa do Oratório, como passou a chamar-se, era na realidade um encantador retiro de devoção artística. Toda rodeada de árvores a cuja sombra, nas calmosas tardes de verão, o Pintor se acolhia para as estudar e nas telas inteligentemente, amorosamente traduzir, Lima Machado Pereira de tal modo àquele ambiente se afeiçoara que só por absoluta necessidade uma ou outra vez o abandonara. (1)

Foi nesta casa que o pintor faleceu no dia de Natal de 1945 e de onde colheu os motivos, as paisagens e os tipos que incluiu na sua notável obra. Os montes bravios, os pinheiros (tão difíceis de reproduzir nas suas agulhas e padrões irregulares) (2), cenas campestres e alguns modelos das aldeias vizinhas de Fundoais e Boassas, constituíram alguns dos tópicos que, infelizmente, jazem praticamente desconhecidos. Ao seu talento como pintor juntou, também, a capacidade para converter em tridimensionalidade o que registava em tela. Executou inúmeras esculturas, nomeadamente a que imortalizou o filho dilecto de Cinfães, Serpa Pinto, inaugurada em 1946, no principal jardim da vila (3). A sua obra, integral ou fragmentada, depositada na casa do Oratório, tem aparecido à venda em vários leilões, durante os últimos 10 anos, e a sua dispersão constituirá uma perda irreparável a todos os níveis: local, pois as suas pinturas e esculturas são o documento de uma época e de uma região e nacional, já que se eclipsa um testemunho da vitalidade artística do realismo expressivo dos primeiros anos do século XX.
Notas:
(1) LOPES, Joaquim – Actualidade artística portuense. Ocidente, n.ºs 105-108 (1947) 34 e 35.
(2) Foi com a obra Pinheiros velhos, pinheiros novos que ele impressionou os críticos e causou polémica. Este quadro integrou o espólio da Casa Museu Fernando de Castro e está hoje nas reservas do Museu Nacional Soares dos Reis
(3) Sobre a inauguração deste busto, ver o artigo de VENTURA, Jorge – Aspectos de uma homenagem a Serpa Pinto. Terras de Serpa Pinto, n.º 7 (1997), 103-121. A ligação entre Carlota de Serpa Pinto e o pintor Lima Machado Pereira derivava da proximidade entre as propriedades de ambos. Para chegar à Quinta do Paço, proveniente de Mosteirô (a estação ferroviária que servia Cinfães), era necessário passar à porta da casa do Oratório. Ambas as habitações foram, nos anos 20, 30 e 40, lugares de convívio e tertúlia, como esclarece uma crónica do crítico Manoel de Sousa Pinto, em 1922: “Fernandes Lima – Lima Machado Pereira na arte – vive quasi todo o ano em Fundoais, lá para as bandas acidentadas da Gralheira, visinho e conviva habitual do solar da gentilissima Clarinha – essa deliciosa Quinta do Paço, rica dos variados panoramas da Beira-Douro e fértil em horas dum encanto raro”, PINTO, Manoel de Sousa – As exposições. A Ilustração Portugueza, n.º 840 (1922), p. 281.

Espólio do Pintor Lima Machado Pereira. Catálogo de “Leilão de Pintura e Escultura Portuguesa”. Lisboa: Palácio do Correio Velho, 2002

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Nuno Resende, Historiador
Nasceu na vila de Cinfães em 1978

Comments

  1. Boa tarde,
    Tenho vários quadros, esculturas e desenhos do pintor Lima Machado Pereira. Gostava de visitar a casa do oratório, sabe se é possível? Se estiverem interessados, temos o maior gosto em dar a conhecer o que temos.
    Muito obrigada

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