A égua moralizadora e o filho do barão.

Jaime Augusto Teixeira Correia Pinto Tameirão Valado foi o sexto filho do 3.º Barão do Valado, Augusto Correia Pinto Tameirão e de sua mulher Josefina Henriqueta de Sousa Basto, dos viscondes da Trindade. Ambas famílias proeminentes na sociedade portuense, os Valados e os Trindades ocupavam as funções principais no governo da cidade e, como tal, o futuro de Jaime, nascido em 1874, parecia auspicioso. Porém, a autobiografia que ele publicou em 1908 quando o próprio tinha apenas 34 anos, revela uma vida agitada e bastante excêntrica face ao que as convenções protocolares oitocentistas requeriam.
A obra  A Minha Vida, editada como já referimos em 1908, foi escrita num tom coloquial, directo e mesmo crú, abordando as peripécias da vida boémia e desregrada do jovem Jaime, nascido no Porto, na rua Formosa, mas com ascendência em Cinfães. Começando por narrar a infância, depois a vida como sportsman e a idade adulta enquanto empregado no Ultramar, entre Luanda e Lourenço Marques, Jaime Valado não se coíbe de falar do que entende ser e (devia parecer) a Mulher, alongando-se nos seus vários amores e “casamentos”.
Tendo estudado em Lamego, não deixa de revelar as suas inúmeras afrontas, que justificava pela idade e pelo estatuto. Um dia convidou “um preto” a ser seu “creado com a condição de” o “levar e trazer todos os dias a cavallo, ao Lyceu”. E prossegue, descrevendo:

Justo e contractado o escarumba, eis que um dia appareci montado no Gipp, como o baptisei, com grande galhofa e applausos dos meus companheiros, mas não, sem ter sido altamente insultado por aquelle bom povo, que entre muitas censuras me diziam: Se quer andar a cavello, compre um burro; agora n’uma alma de Deus! § A tudo eramos impassíveis, eu e o burro“.

Jaime faz questão de frisar estas suas irreverências, gabando-se delas e das rusgas e sovas que dera ou ameaçara dar aos seus superiores. Nada podia contra este dandy fidalgo que que insurgia contra tudo e todos os que o contrariassem.
A única vez que quase perdera a cabeça foi em Cinfães, por volta de 1884, quando uma égua do feitor o derrubou. E para rematar o episódio Jaime escreveu: Ahi teem V. Ex.ªs a razão por que trago a cabeça inclinada sobre a esquerda, porque se cahisse sobre a direira seria para ahi que a inclinaria. O senhor fidalgo”, como era reverencialmente tratado por terras de Cinfães (e como ele próprio faz questão de recordar) termina a sua apologia anunciando um capítulo com o título “O meu futuro”, a que se segue uma página quase em branco com a única frase ? A Ti e a Deus pertence.
Talvez a mensagem fosse dirigida a Maria Cândida Pereira Leite, com quem o jactancioso biógrafo se consorciou, senhora certamente da alta sociedade, pois conquanto Jaime se gabe de várias conquistas e diga que todas as mulheres têm um encanto escondido, “as sopeirinhas e costureirinhas […] muito mesmo muito bonitas […] ou cheiram a estrugidos ou teem os dedos picados das agulhas“.
Porém o seu futuro foi curto,  já que faleceria pouco anos depois de ver editada a sua biografia, em 1913.
Certamente para mal da fogosa família dos barões do Valado, de quem ainda viremos a falar…
BIBLIOGRAFIA CITADA: 
VALLADO, Jayme – A Minha Vida (1874-1908). [Edição do autor], Porto, 1908

About the author

Nuno Resende, Historiador
Nasceu na vila de Cinfães em 1978

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