Martim de Figueiredo (séculos XV-XVI)


Vista sobre a igreja de Piães colhida de Nossa Senhora do Socorro. Fotografia de N. Resende (c) 2010

Martim ou Martinho de Figueiredo aparece na documentação pontifícia do primeiro quartel do século XVI como «reitor da igreja paroquial de São Tiago de Piães» (1). Entre 1501 e 1520 sucedem-se os pedidos de indulto para prorrogação do recebimento de ordens sacras enquanto não terminasse os seus estudos.
Este caso demonstra o tipo de clima religioso e político que se vivia na Europa cristã de então, em que era concedido a um indivíduo leigo o benefício de cargos e rendimentos religiosos, como o que Martim Figueiredo recebia por ser reitor de Piães – mesmo sem ter recebido ordens sacras.
No entanto, as súplicas dirigidas ao Pontífice são reveladoras do percurso e estatuto do seu requerente. Nos primeiros decénios do século XVI, reinando D. Manuel, um português corria várias universidades de Itália, procurando uma formação e um conhecimento que não receberia no seu país-natal.
O Humanismo é um movimento cultural que reflecte as preocupações do homem de quatrocentos para retornar ao Passado clássico, procurando uma renovação e um florescimento do Homem enquanto produtor e usufrutuário de saber.
As circunstâncias descritas conferem com Martim Eanes de Figueiredo, cujo nome soa na História de Portugal associado a outras figuras do Humanismo português, como André de Resende, Sá de Meneses e Aires Barbosa, seu sobrinho e contemporâneo nos estudos.
Martim de Figueiredo foi doutor em Direitos (Canónico e Civil), desembargador do Paço e senador de Portugal durante o reinado de D. Manuel I e ainda professor na Universidade de Lisboa.
Em 1529, pouco antes de falecer, publicou uma obra comentário à História Natural de Plínio, enciclopédia publicada entre 77 e 79 e que constitui uma das primeiras grandes fontes de informação do mundo ocidental. O seu Commentum in Plinii naturalis historiae prologum a iuris utriusque doctore Martin Figuereto editum serenissimi Portugaliae Regis senatora, constitui o seu principal legado escrito.
Ainda em Itália teve como mestre Angelo Ambrogini  ou Angelo Poliziano dramaturgo e poeta de Florença, um dos responsáveis pelo brilho literário do Renascimento.
É-lhe atribuída uma obra que ficou por concluir até ao século XVIII, mas que se tivesse sido executada teria contribuído para a melhoria de circulação no rio Douro, à vista da sua igreja de Piães. Tratava-se de um projecto de abertura do Cachão da Valeira que empeçava a navegação do Douro acima de São João da Pesqueira e constituía um entrave ao avanço comercial do Douro até Castela. André de Resende narra o caso na sua obra Antiquitatibus Lusitanae:

«Era eu adolescente, Martim de Figueiredo, jurisconsulto e não desconhecedor das letras latinas a cujo estudo se dedicara diligentemente em Florença, guiado por Policiano, compreendendo que, removida certa catarata do rio [Douro], podiam as barcaças subir com pequeno esforço até aos campos, ricos em trigo, de Toro […] (2).

O plano terá sido travado por D. João III que escutou, ainda segundo André de Resende, rivais e invejosos de Martim de Figueiredo.
Ainda que talvez Martim ou Martim não tenha estanciado em Piães ou na sua igreja tenha estado por pouco tempo, justifica-se documentar aqui a ligação de um dos grandes nomes do nosso Renascimento a Cinfães – até hoje desconhecida.
NOTAS
1 – Cf. Estorninho, Alice; Costa, Antonio Domingues de Sousa; Meneses, Miguel Pinto de – Chartularium universitatis portugalensis : (1288-1537). Lisboa: Instituto de Alta Cultura/INIC/JNICT/Fundação para a Ciência e a Tecnologia, 1966-. vols. 10-11.
2 – Apud Ramalho, Américo da – Nótula sobre Martim ou Martinho (de) Figueiredo e André de Resende. Humanitas. Vol. LIII. (2001). p. 337-341.

About the author

Nuno Resende, Historiador
Nasceu na vila de Cinfães em 1978

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