A Casa da Calçada em Oliveira do Douro (Cinfães)

Figura 1 – Casa da Calçada. Reprodução digital de positivo fotográfico, s/data (187?). Col. particular (proibida a difusão sem autorização)
No decurso da programação de um festival de música intitulado Confluências, – cujo objectivo parece ser o de dinamizar o património civil de origem barroca – demos com a indicação seguinte:
O texto, sem indicação de autoria é, como a maioria dos textos promocionais que as instituições públicas veiculam, sem respeito pela qualidade da informação prestada. Porque «anónimo», desresponsabiliza o seu autor ou autores e a entidade que propala tal informação.
As plataformas digitais em Portugal estão repletas deste género de «informação», construída a partir do nada e difundida como verdade absoluta. 
De facto, a casa da Calçada nada tem do século XVIII. Trata-se de uma residência construída para albergar um ramo familiar da casa do Revogato, localizada um pouco abaixo da Calçada e que, esta sim, bem anterior a setecentos e com uma notável capela de fábrica barroca (imagem seguinte, figura 2).
Figura 2 – Casa de Revogato com a sua capela e pedra de armas barrocas. Fotografia de Nuno Resende (c), 2004.
De facto, no decurso do nosso estudo sobre os morgados de Boassas [1], apelidados Campelos, linhagem que dominou a região entre os séculos XVI e XIX, lográmos identificar alguns documentos e dados pertinentes para a história da casa da Calçada. A sua origem liga-se aos tempos conturbados das Guerras Civis de 1832-1834 e a António Manuel da Silva Pinto Abreu, sobrinho do bispo de Lamego, Dom José de Jesus Maria Pinto (1763-1826).
António Manuel veio casar a Oliveira do Douro, em 1824, com D. Maria José do Sacramento Osório Pinto e Cunha, uma das três filhas herdeiras de João Baptista Pinto Mourão (dos famosos Mourões ourives do Porto) e de Antónia Margarida de São José, a quem pertencia a casa de Revogato. O casamento foi contra a vontade dos pais, pois que em dois documentos assinados pela mãe da nubente diz-se que “a 8 de Nobembro [de 1824] cazou minha filha contra minha vontade com antonio manoel” [2].
Desse casamento houve quatro filhos, em que prosseguiu a posse de Revogato tendo António Manuel casado uma segunda vez com Francisca Rangel, de cujo enlace resultaram 10 filhos. Foi esta prole, nascida já na segunda metade do século XIX, que se criou na casa da Calçada, edificada provavelmente depois da década de 1830.
Assim se infere dos apontamentos de um documento do arquivo da Casa do Revogato, cujo teor é o seguinte:

«Prometto no cazo d’eu Antonio Manoel escapar d’estas campanhas e vis tempo deu fazer  fazer n’este lugar d’Oliveira as cazas, que tenciono, da capella ser dedicada á minha amada Protectora N.ª Senhora da Conceição […]»

As tais casas seriam, pois, as da Calçada nas quais viveu o dito António Manuel depois de viúvo e indisposto com a família da sua primeira mulher, como refere outro documento dos muitos que aludem a litígios nesta família:
«[…] Antonio Manoel foi mau marido e mau Pai: foi mau marido porque annos antes do fallecimento de sua mulher separou-se della por sua autoridade e foi viver para a quinta de Villa Juzãa [Mesão Frio], sustentando-se de seus rendimentos, ficando a mulher em a caza e bens d’Oliveira para sua sustentação e dos filhos, sem querer saber da familia, e tanto que fallescendo esta foi mandallo [sic] chamar a Villa Juzãa para assitir ao enterro; voltando embora no dia seguinte ao enterro, abandonando caza e filhos […] Para comprovar que Antonio Manuel foi mau Pai basta dizer que ficando viuvi ja de edade avançada, foi procurar uma rapariga pobre e esfarrapada, e que vivia de trabalhar nas vinhas com quem cazou so para fazer mal aos filhos pela concurrencia dos filhos do 2.º matrimonio fazendo agora guerra de morte aos filhos do 1.º» [3]
Assim, entre um tempo político e as complexas relações de uma família nobre de Oliveira, construiu-se a casa da Calçada, como afirmação contra a antiga e poderosa casa do Revogato sendo portanto obra do século XIX e não anterior, como aliás se pode aferir da reprodução fotográfica acima, que atesta como, provavelmente em meados ou terceiro quartel de oitocentos ainda se desenrolavam obras de construção.
Sobre a capela, efectivamente edificada já ia avançado o século XX, já falamos aqui.  E sobre um dos proprietários da casa da Calçada, o menino «Luísinho», aqui.
Notas
[1] – Resende, Nuno – Vínculos quebrantáveis: o morgadio de Boassas e suas relações (sécs. XVI-XVIII). Coimbra: Palimage, 2012. 978-989-703-052-9
[2] – AHCR, 0881, fl. 138 v.º e AHCR 0882, fl. 1.
[3] – AHCR, 0876, s/ fólios.

About the author

Nuno Resende, Historiador
Nasceu na vila de Cinfães em 1978

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