António Pereira Gonçalves de Andrade
Empresário e benemérito
1837, Tendais, Cinfães | 1910, Lisboa
António Pereira Gonçalves de Andradenasceu no lugar de Vila de Mures da freguesia de Tendais, concelho de Cinfães em 1837, filho de Bernardo Pereira ou Bernardo de Andrade e de Joaquina Gonçalves, lavradores daquele lugar (1).
Pelo lado da mãe descendia de agricultores e pequenos proprietários, mas por via paterna a sua ascendência repartia-se entre alguns indivíduos proeminentes das governanças locais, como o capitão-mor de Tendais, António Pinto Machado, ou o padre Bernardo de Magalhães, de Covelas.
Não obstante o estatuto social da sua família, decerto economicamente desafogada, António deve ter rumado ao Brasil ao mesmo tempo que o seu irmão, Manuel Pereira de Andrade que em 1860, com 30 anos, solteiro, embarcou para o Império. Efectivamente, quando em Setembro de 1863 a sua irmã Maria Pereira de Andrade lhe pede apadrinhe a filha, António residia no Rio de Janeiro (2).
A fortuna sorriu a ambos os irmãos e no final do século destacavam-se já em Lisboa entre os empresários empenhados na industrialização da cidade.
O dinheiro de António Gonçalves adquirido no Brasil serviu para investir nas grandes companhias nascentes portuguesas, como a Nova Companhia Nacional de Moagem, que incorporava, entre outras, as fábricas do Beato, ali instaladas desde a primeira metade do século XIX por João de Brito. Será, aliás, um neto deste, chamado Artur Eugénio de Brito Macieira (1857 †1946), que virá a casar com Maria Gertrudes Pereira de Andrade, sobrinha de António e filha de Manuel Pereira de Andrade.
Este casamento e o da sua irmã Palmira de Andrade com José Ximenes de Sandoval Teles, (irmão do 1.º Visconde de Ximenez ) selou definitivamente a presença dos Pereiras de Andrade entre as elites capitalistas de Lisboa, que singraram e serviram ainda em tempo de Monarquia, durante a atribulada Primeira República e já sob a égide do Estado Novo.
A marca mais evidente do poder e presença dos Pereiras de Andrade em Lisboa foi a construção do bairro Andrade, na zona dos Anjos, cujas ruas Palmira e Maria Andrade homenageiam as já referidas filha e sobrinha dos empresários.
Mas se Manuel Pereira de Andrade deixou um legado empresarial e urbanístico em Lisboa, o seu irmão António não se esqueceu nem da sua terra natal, nem dos seus familiares e conterrâneos com quem foi generoso benemérito.
Tendo falecido solteiro (3), deliberou em duas disposições testamentárias – uma de 12-10-1901 e outra (definitiva) de 15-8-1909 – distribuir vários legados por instituições e indivíduos de Lisboa e de Vila de Mures (4).
Em Lisboa deixou 1 conto de réis para ajuda a 200 famílias (legado que deveria ser administrado pelo Diário de Notícias), 300 mil réis para o Asilo dos Cegos no Convento dos Cardeais e o mesmo valor à Associação do Albergues Nocturnos (5).
Em Vila de Mures depois de dirigir a sua atenção para familiares que aí viviam à data do testamento, delineou um projecto verdadeiramente pioneiro para a terra: a edificação e gestão de um edifício escolar para os dois sexos «que dev[ia] estar feito em Janeiro de mil novecentos e dez». De facto embora o edifício estivesse em construção à data da redacção do testamento (foi inaugurado em Julho de 1910) nas disposições testamentárias é referido que já uma escola funcionava em Vila de Mures desde 1903. Era destinada aos filhos dos lugares de Vila de Mures e seus arredores, como Portela da Mó, Enxidrô, Poldras, Casal e Aguilhão. Entre as várias disposições no legado, salientamos a obrigação de fornecer blusas às crianças e habitação para a professora, com água própria «e todas as comodidades».
A escola devia ser administrada pelo maior contribuinte da localidade (que à data era Tomás Pinto Mota, morador na quinta da Soalheira em Cinfães) e sustentada com juros de uma inscrição da Junta do Crédito Público que deveriam pagar todas as despesas inerentes ao ensino, nomeadamente o salário de 15 mil réis mensais da professora – que então era a D. Hermínia da Assunção Resende Rêgo (6). Havendo saldo, depois de pagas as ditas despesas e a gratificação de 3000 réis do administrador, distribuir-se-iam prémios pelos alunos ou alunas que mais se distinguissem.
Não esqueceu, ainda, os pobres das aldeias locais e o benefício da ermida de Nossa Senhora do Rosário, para onde dirigiu 200 mil réis e onde pretendia fossem rezadas missas em sua memória.
A escola Andrade é ainda hoje representativa de um esforço nacional, veiculado por beneméritos como António Gonçalves, para dotar o país de instrução primária, num tempo em que as taxas de frequência do ensino eram reduzidíssimas e os orçamentos locais e nacional para o ensino, reduzidíssimos.
A preocupação de António Gonçalves Pereira de Andrade demonstra, pois, um raro exemplo de caridade e filantropia que merece ser recordado.
NOTAS1 – Na inexistência de livros paroquiais de baptismos Tendais para o período de 1825 a 1841, a sua data de nascimento é-nos indicada no testamento. Ver nota 4.2 – Foi procurador António José das Eiras, cf. Arquivo Distrital de Viseu, paroquiais, Santa Cristina de Tendais, baptismos, 1863, folha 23, assento n.º 44.3 – No dia de Natal de 1910, cf. nota 44 – Repartição de Finanças do terceiro Bairro Fiscal de Lisboa, Testamento de António Gonçalves Pereira de Andrade [óbito a 25-12-1910], 15 fls. Agradecemos ao Sr. Franklin da Rocha Resende, a disponibilização da cópia e transcrição de ambos os testamentos.5- Conferir Arquivos Nacionais – Torre do Tombo, Autos de contas de C. T. L.P., mç 12 n.º 13 cx. 12, Autos de contas de encargos pios deixados em testamento por António Gonçalves Pereira de Andrade (1912).6 – Irmã do último abade de Tendais, José Augusto Resende Rêgo (1888-1966) e filha do cirurgião doutor Manuel de Resende Rêgo, todos de Valverde, freguesia de Tendais.
Nuno Resende, Historiador
Nasceu na vila de Cinfães em 1978