Cinfães: uma terra ao Norte?

Mapa de 1797, em «Corografia portugueza». As linhas a rosa e a amarelo mostram os limites do Entre Douro e Minho e Trás-os-Montes. A sul do Douro as Beiras.

Recentes notícias sobre Cinfães têm lançado a confusão entre políticos, jornalistas e leitores: afinal o nosso município está no Norte de Portugal? Quase como num reflexo responderíamos: claro que sim! Mas, talvez, este reflexo tenha a ver com a forma como vemos Portugal a partir de Lisboa. Naturalmente que, vista da capital, Cinfães é uma povoação do Norte do País. Por esta ordem de ideias, Odivelas e Loures são terras do Norte, pois estão a Norte de Lisboa. Não é fácil, nem tem sido fácil, enquadrar Cinfães numa situação geográfica concreta. E esse é um aspecto pouco estudado na História de Cinfães.

Primeiro, o concelho de Cinfães tal qual o conhecemos é uma realidade relativamente recente. «Nasceu» em 1855, embora já existisse, desde a Idade Média, um pequeno concelho com este nome. Mas, com a transformação que sofreu em 1855 o seu termo dilatou-se de tal forma que juntou uma vasta porção de território entre os cumes da serra de Montemuro, e a desembocadura do Paiva no Rio Douro, paisagens e geomorfologias muito diversas: do árido montanhoso beirão ao verde suave atlântico.

Depois, a relação de Cinfães com as sedes dos poderes regionais é muito diversa. Ao longo da História o actual território de Cinfães esteve subordinado no religioso a Lamego, depois, no civil, a Viseu, no militar a Almeida, a Lamego, a Vila Real e a Penafiel. No judicial (comarcas) o panorama foi muito diverso, pois cada concelho dentro dos limites actuais do concelho de Cinfães era abarcado por jurisdições diversas, como Ferreiros de Tendais e Tendais, que respondiam à Ouvidoria de Barcelos, por integrarem o património da Casa de Bragança (cuja casa-mãe era em Vila Viçosa no Alentejo). Os restantes respondiam a Lamego e, juntamente com uma grande parte (metade) do país, à Relação do Porto. Mas, para além deste tribunal de última instância, acessível a poucos, nunca Cinfães teve, até ao século XX, qualquer relação administrativa com o Porto. Mesmo os círculos eleitorais eram todos desenhados em função da margem sul do Douro, agregando Resende e, por vezes, até Lamego. Quando se pensou separar esta cidade do distrito de Viseu com um distrito próprio Cinfães seria um dos municípios que o integrariam. Quando a Ditadura Nacional e o Estado Novo, nas décadas de 1920 e 1930 decidiram criar as Províncias, procurando recuperar a ideia das antigas províncias portuguesas, mas reduzindo-as em extensão e criando outras novas, agregou Cinfães e Resende à Província do Douro Litoral cuja sede era no Porto – uma artificialidade que procurava conciliar a ideia de serra com o litoral. Se os teóricos que criaram estas novas unidades administrativas lessem as Memórias Paroquiais de 1758 veriam que os párocos que as escreveram dizem que os povos das suas freguesias estavam na Beira ou nas Beiras e não no Douro, sinal de uma ligação, não ao litoral, mas à zona central e montanhosa de Portugal. Aliás, ainda no século XIX Cinfães diz-se na «Beira Alta» (ver Pinho Leal e outros).

Hoje Cinfães aproxima-se do Porto, por estradas e pelos caminhos da burocracia e da organização do território, que estranhamente a liga à Comissão de Coordenação da Região Norte e a uma sub-região designada «do Tâmega e Sousa» (com a qual nada ou pouco ter a ver geográfica e demograficamente), tudo incluído na NUTS II do Norte. Mas da mesma forma que os distritos são uma artificialidade do século XIX, também estas regiões pouco significam do ponto de vista social da ocupação do território. São grelhas associadas a folhas excel, para contabilizar índices.

Se nos perguntarem se Cinfães pertence ao Norte, somos obrigados a invocar o Passado para dizer que não. Poderíamos recuar até aos Romanos, quando o Douro dividia a Galécia da Lusitânia e o território de Cinfães integrar-se-ia nesta última, uma grande porção de território que ocupava o centro do nosso actual País e da Península Ibérica. E muito embora a designação oficial de Cinfães não seja como muitos insistem em chamar-lhe «Cinfães do Douro», é impossível ignorar pela força geográfica e económica, este rio e como ele divide e aproxima o nosso país e onde se confrontaram sempre as realidades regionais como o Entre Douro e Minho e Trás-os-Montes, estas duas circunscrições, se quisermos o verdadeiro «Norte de Portugal».

Mas, afinal de contas, qual é o problema de Cinfães não estar num certo Norte?

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Professor. Universidade do Porto. Portugal.

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