ESPADANEDO: breve história

Imagem 1. Vista sobre o lugar da Igreja em Espadanedo. NR. 2012.

 

Uma das 14 freguesias actuais do município de Cinfães, Espadanedo situa-se na margem esquerda do rio Douro, que a delimita a norte, e entre as freguesias de Tarouquela e Souselo, com cujos termos confronta a nascente, sul e poente.
Os topónimos Espadanedo ou Espadanido são frequentes em Portugal, registando-se em cinco locais do território nacional, assim como outros derivados da raíz «espadana», como «Espadaneira». No volume 2 do Vocabulario Portuguez de Rafael Bluteau, publicado em 1712, diz-se que «espadana» era o nome de uma erva «de folhas compridas, estreitas, pontiagudas, duras, fortes, raiadas, que cingem o talo, donde saiem e encerram em si, como dentro de uma bainha, a figura que elas tem de uma folha de Espada» (1). Com fins medicinais a espadana era utilizada, juntamente com outras folhas e ervas, para ornamentar e aromatizar os caminhos em alturas de festividades – acto a que se dava o nome de «espadanar».
Até 1855 Espadanedo integrou o termo do vasto município de Sanfins da Beira, que tinha as suas casas de audiências, ou paços do concelho, em Piães e o pelourinho em Nespereira. Mas, como era frequente antes da reorganização do liberalismo no século XIX, fizera também parte do Couto de Tarouquela, onde respondia às justiças cíveis. O couto denomina uma circunscrição entregue à administração do poder religioso, secular ou regular, neste caso às freiras beneditinas de Tarouquela. Como explicar esta sobreposição de jurisdições?
É relativamente fácil: crimes comuns respondiam perante o juiz do Couto, os restantes a outras circunscrições e poderes: por exemplo os órfãos, testamentos e legados por óbitos eram tomados pelo Corregedor de Lamego, as ordenanças (a polícia da época) eram as de Sanfins, etc.ª
Curiosamente por ter juiz próprio, Espadanedo usufruía de uma autonomia que outras freguesias não tinham, testemunhada pela existência de uma casa de audiências no lugar de Saímes, como refere o abade Luiz Manuel Salter Rios de Carvalho, em 1758. O juiz de Espadanedo era nomeado pelo povo, mas devia ser confirmado pela abadessa de Tarouquela (2).

Extracto da carta militar n.º 135 (1/25000).

Era, então, composta a freguesia pelos seguintes lugares: Souto, Senhora da Graça, Casal Ferreiro, Lages, Pousada, Vila, Nobelide, Cabaçal, Quintão, Vigal, Fontão Bom, Matos, Vila Nova, Carreira, Ribeira, Espio, Pereira, Meijoadas; Rosas cão (Rossascas); Pendoa, Outeiro de Pereira e Saímes (seguimos a ordem de enumeração do abade de 1758).
No século XX Américo Costa indica os seguintes lugares: Barreiro, Barrela, Cabaçal, Carreira, Igreja, Espio, Grança, Herdade, Lameira, Lavandeira, Lavra, Marame, Meijoadas, Morã, Moutas, Nobelide, Pendoa, Pousada, Quintã, Ribeira, Saímes, Salgueiral, S. Pedro, Senra, Vales, Vila, Vila do Meio e Vila Nova. Indica, ainda, as quintas de: Alfarás, Almas, Barbuto, Boa Vila, Bouça, Milhaça, Chelo, Ferreiro, Lage, Lameiras, Marco, Pardelhe, Pereira, Pinheiral, Pendonga, Pias, Porto, Prédas, Ribeira, Rossasca, Salvada, Sobre Manga, Souto, Surriba, Touça, Torno, Traz Também, Vale de Flores e Veirigas (3).
O crescimento de lugares e quintas entre o século XVIII e o século XX reflecte o crescimento demográfico que a freguesia sofreu, atingindo o seu pico por volta de 1950, quando tinha 1119 habitantes. No último recenseamento (2011) apresentava apenas 829 habitantes.
Ainda assim a reduzida área (5,3 km2) coloca-a no topo das freguesias com maior densidade populacional do município de Cinfães: 248,7 hab/km2 (em 2011), o que se pode explicar pela sua situação geográfica, à beira Douro e no trajecto de vias de comunicação que desde a Idade Média asseguravam, quer a ligação terrestre paralela ao rio, quer para o interior beirão. De facto alguma da toponímia acima apresentada é expressiva desse tempo medieval de implantação e comunicação: Pousada, Carreira, as «quintãs» e as «vilas», sinais de povoamento e crescimento que ainda se vê desde a estrada nacional 222 que cruza a freguesia. Também Souto, Salgueiral, Senra (Seara), Bouça, Milhaça, Cabal, Fontão Bom, Ribeira, Surriba, expressam ideias de fertilidade e abundância do território.
O próprio orago, ou santo patrono, São Cristóvão liga-se, por lado, à prevenção contra a morte súbita e, por outro, à boa jornada ou viagem e aqui certamente tomado como protector dos que necessitavam do Douro para a sua sobrevivência. Um pouco a montante, em Nogueira, os habitantes locais também escolheram este santo, em detrimento do próprio Salvador, Cristo justiceiro que serviu a defesa da terra no tempo das lutas contra os muçulmanos. Em ambas as freguesias, aquele bom gigante que carrega o Menino Jesus ao ombro – cuja imagem, uma vez vista, impedia a morte do observador naquele dia-, seria com certeza um guardião das boas passagens terrestres e fluviais.
Em 1758 a igreja tinha três altares: o retábulo maior com as imagens de S. Cristóvão, São Pedro, Santo António e Santa Quitéria e nos colaterais num, a Virgem do Rosário e no outro a Imagem de Cristo e S. Sebastião. Possuía uma nave, apenas, e uma irmandade, a das Almas, usando o pároco o título de abade. Era apresentado pelo Rei.
Esta deve ser a sumária descrição da igreja nova que vem referida num assento de óbito de 1733, o de Manuel Pereira, viúvo, do lugar da Ribeira que foi «sepultado dentro da Igreja nova» (4) . O edifício devia estar concluído, mas o interior ainda estava em construção, como se infere da «escritura de obrigação e fiança que fizeram fazem Manuel da Silva Lopes e o cunhado Manuel Ferreira, naturais de Arrifana de Sousa, termo da cidade do Porto, para executarem a obra de carpintaria e escultura da igreja do Espadanedo», datada de 29-6-1734 (5).
Relativamente ao movimento eclesiástico, registámos os nomes dos abades e curas seguintes: Luís da Fonseca (1717), João Rodrigues Rangel, abade encomendado (1726), José Vieira Pinto (1730), António Gonçalves, encomendado (1733), Inácio de Andrade Gramaxo, encomendado (1741), Manuel Cardoso de Carvalho, cura (1741), Manuel Coelho Macedo, abade encomendado (1743), Luis Manuel Salter Rios de Carvalho, abade (1744), Baltasar Caldeira de Abreu (1749), José Delgado de Oliveira, coadjutor (até 1759), Manuel José de Aguiar (1779) (6) . A 18 de Junho de 1834 foi dada carta de cura coadjutor de Espadanedo a favor de Manuel de Almeida Rodrigues, ex-guardião dos Capuchos do Convento de Rio Meão – nomeado provavelmente na sequência da extinção das ordens religiosas que esvaziou os conventos e mosteiros masculinos. Os curas eram sacerdotes que auxiliavam os titulares das igrejas nas celebrações litúrgicas e outros serviços religiosos.
A prevalência de abades provindos de famílias da região do Porto, como Inácio de Andrade Gramaxo ou Luís Manuel Salter Rios de Carvalho, talvez seja um indicador da influência das freiras beneditinas de Tarouquela que, em 1518, se transferiram ao Porto, para o convento de São Bento de Avé-Maria. Desta casa passaram a gerir um vasto património, bens e direitos, nomeadamente no Couto de Tarouquela, em que se incluía Espadanedo. Embora não apresentassem os abades desta igreja, as lógicas clientelistas da época levam-nos a considerar a hipótese de que as religiosas interferissem no processo da escolha dos párocos de Espadanedo. E por esta via se ligavam ao Porto os destinos de Espadenado, nomeadamente os da arte pois pois em 1743 veio dourar o retábulo e fazer o apainelado da capela-mor da igreja José da Mota Manso, entalhador do Porto (7).
Os proventos da igreja de Espadanedo eram apetecíveis, pois alcançam a soma de 500 mil réis (8) e talvez por isso, tivessem dado azo a contendas entre instituições, como refere o padre António Carvalho da Costa, em 1706, afirmando que o Mosteiro de Alpendurada apresentava as igrejas de Souselo, Travanca e Espadanedo, mas que perdera esta última para o Padroado Real (9).
Ainda no âmbito do património religioso havia, em 1758, três capelas, duas particulares e uma pública, esta da invocação de São Sebastião, e as restantes, uma da Virgem da Graça, «que pertence a Antonio Peixoto por Compra que dela fez» e outra de Nossa Senhora da Conceição, «que pertence a Antonio de Souza e Vasconcelos». Acrescenta o abade que, «em todas elas se diz missa a do povo está em hum monte as outras estão nas quintas dos sobreditos donos» (10) .
A quinta de Antonio de Souza e Vasconcelos era a da Carreira, uma das quatro principais residências senhoriais de Espadanedo até ao século XIX. As outras três eram as do Espio, do Souto e da Vila.
Na quinta da Carreira viviam no século XVIII o já referido António de Sousa e Vasconcelos e José Lucas de Vasconcelos, casado com Jerónima Teresa Sequeira Rangel, estes pais de Jerónimo Cortez de Vasconcelos que, em 1762, era sargento-mor das ordenanças de Sanfins.
No início do século XVIII era administrador da capela S. João Baptista, contígua à capela-mor da igreja d

Dr. Alfredo Ferreira Cortez (via Geneall)

e S. Maria Maior de Tarouquela, o Padre Manoel Coelho Peixoto, oriundo da quinta do Souto (11).
Da quinta do Espio, foi casar, a 8 de Novembro de 1773, Manuel Teixeira Moreira, filho de António Moreira e de sua mulher D. Rosa da Costa com D. Ana Margarida Josefa Pinto de Novais Tameirão, da quinta do Valado em Travanca.
D. Jerónima Teresa Carneiro de Sequeira Rangel, nascida em 1714 em Fornelos, casou com José Lucas de Vasconcelos, da quinta da Vila. Desta quinta descendem os Cortezes de que foi conhecido representante Alfredo Ferreira Cortez (1880-1946), conhecido dramaturgo português.

Em finais do século XVIII ou já no século XIX terá sido edificada a única casa nobre com pedra de armas da freguesia, a das Recoutas. O padre Alfredo Pimenta assevera que «este pequeno solar foi mandado construir por D. Ana Margarida Josefa Pinto de Novais Tameirão» (12).
A 8 de Novembro de 1773, D. Ana Margarida casou com Manuel Teixeira Moreira, filho de António Moreira e de sua mulher D. Rosa da Costa, da Quinta de Espio, em Espadanedo.
Todavia o brasão da casa, de Pintos e Correias, parece já documentar a vida de Raimundo Correia Pinto Tameirão (1807-1889), 2.º barão do Valado e neto de D. Ana Margarida (13). Foi um famoso militar e político português, governador civil do Porto entre de 1853 até 1859 e deputado em várias legislaturas.
Na década de 1890 construiu-se mais uma capela pública em Espadanedo, mais exactamente no lugar de Saímes, dedicada à Senhora de Lourdes. A obra foi suportada por três padres: o padre António Alves Carneiro, o padre Luís de Oliveira Pinheiro e o padre Manuel da Fonseca e o novo culto e templo deram origem a uma festa que desenvolveu uma curiosa forma de procissão, com arcos gigantes, ao modo de outras festas e procissões do norte de Portugal (14). A preparação de um destes arcos pode ser vista aqui, em vídeo.
Bertino Daciano regista uma actividade rara nesta região, mas que parece ter-se praticado em Espadanedo: a fundição de sinos. Segundo este autor, «no lugar das Almas, desta freguesia existiu uma indústria de fundição de sinos, de que foi proprietário José António de Leão» (15).

Nuno Resende

NOTAS

1. «Espadana» em BLUTEAU, Rafael, padre – Vocabulario Portuguez e latino (Volume 03: Letras D-E). Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesu, 1712, p. 255.
2. Cf. Carvalho, Manuel Salter Rios de – Espadanedo [Memória Paroquial de]. Lisboa: IAN/TT, 1758. Disponível em WWW: <http://digitarq.dgarq.gov.pt/viewer?id=4239960>.
3.  Costa, Américo; Nunes, José Joaquim – Diccionario chorographico de Portugal Continental e Insular. Porto: Livraria Civilização, 1938, vol. 6, pp. 299-300.
4. ADV – Arquivo Distrital de Viseu, paroquiais, São Cristóvão de Espadanedo, óbitos, Óbitos 1726-1759, maço 4-B, n.º 19, p. 31 v.º
5. Alves, Alexandre – Artistas e artífices nas Dioceses de Lamego e Viseu. Viseu: Governo Civil, 2001, vol. 1, p. 356.
6. Cf. Costa, M. Gonçalves da – História da Cidade e Bispado de Lamego. Lamego: [Diocese de Lamego], 1992, p. 632.
7. Alves, Alexandre, op. cit., vol. 2, p. 182.
8 – Azevedo, Joaquim, D. – Historia Eclesiastica da cidade e Bispado de Lamego. Porto: [Typographia do Jornal do Porto], 1877, p. 133.
9. Cf. Costa, A.Carvalho da – Corografia portugueza e descripçam topografica do famoso reyno de Portugal […]. Lisboa: Off. de Valentim da Costa Deslandes, 1706, vol. I, p. 354.
10. Cf. Carvalho, Manuel Salter Rios de – Espadanedo [Memória Paroquial de]. Lisboa: IAN/TT, 1758. Disponível em WWW: <http://digitarq.dgarq.gov.pt/viewer?id=4239960>.
11. ADP – Arquivo Distrital do Porto, Monásticos, Convento de São Bento de Avé Maria, Indes dos tombos de santa maria de Tarouquella […], parte 1.ª fol. 30 e seguintes.
12. Pimenta, Alfredo A. – Brasões de Cinfães. [s.l.]: edição do autor, 1976, título de «Casa de Recoutas».
13. Bravo, Manuel de Castro Pinto – Monografia do Extinto Concelho de Sanfins da Beira. Porto: [edição de autor], 1938, pp. 279-280.
14. Idem, ibid., p. 196.
15 Guimarães, Bertino Daciano R. S. – Cinfães. Porto: Junta de Província do Douro Litoral, 1954, pp. 83-84.

PARA SABER MAIS

Há várias referências a Piães, seus lugares e indivíduos na obra «Os dois faladores», que pode adquirir clicando aqui.

 

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Ex.º: RESENDE, Nuno – «Giraldo Geraldes, o sem pavor». História de Cinfães, https://historiadecinfaes.pt/, consultado em linha em 17-10-2009.

 

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Professor. Universidade do Porto. Portugal.

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