Ramires é uma das antigas freguesias de Cinfães, anterior à reorganização administrativa de 2013. Integra, hoje, a União de Freguesias de Alhões, Bustelo, Gralheira e Ramires.
É, contudo, paróquia autónoma, dedicada a Santa Marinha, pertencente ao arciprestado de Cinfães e à Diocese de Lamego.
A antiga freguesia confrontava a norte com a freguesia de Oliveira do Douro e com Freigil, desta separada pelo ribeiro Cabrum; a nascente com Ovadas, a poente com a freguesia de Ferreiros de Tendais e a sul com a Gralheira.
Implantada entre os 350 e os 1000 metros de altitude, a ocupação humana de Ramires desenvolveu-se, ao longo da Idade Média, numa encosta voltada a norte, e ao Cabrum, entre os 550 e os 650 metros. A igreja, posicionada canonicamente (cabeceira a nascente e fachada a poente) situa-se num pequeno outeiro (imagem 1) a 610 metros de altitude, sensivelmente a meio caminho entre os lugares de Paço e Ramires.

Ramires é um vocábulo relativamente comum na língua portuguesa que A. Almeida Fernandes relaciona com o nome germânico Ramirici, origem do nome pessoal Ramiro e do apelido Ramirão uma conhecida linhagem mediévica portucalense [1]. Nos séculos XI e XII vários são os nobres de apelido Ramires, nomeadamente o famoso Aboaçar Ramires, filho do rei de Leão Ramiro II, conhecido por ser um dos intervenientes na famosa Lenda de Gaia que Almeida Garrett recuperou no século XIX [2].
Não obstante ser hoje o Cabrum uma linha divisória entre municípios e paróquias, a origem de Ramires como freguesia, isto é, como o conjunto dos «filhos da igreja, filli eclesiae», deverá compreender-se na relação, primeiro com Ovadas e, depois, com Miomães, na margem oposta daquele ribeiro. Apesar da orientação canónica da igreja, sinal de fundação medieval, ainda no século XVI Ramires não existia como paróquia, submetendo-se à de Miomães. Talvez existisse, então, em Ramires, uma ermida dedicada a Santa Marinha mas que, por não ter dimensões adequadas para acolher a população ou sacrário para suprir o alimento espiritual da comunidade os fregueses se dirigissem a Miomães, aí baptizando os seus filhos e enterrando os seus mortos. E, só depois do século XVI, se criou nova paróquia, designado como curato, por ter cura ao seu serviço.
No Numeramento (espécie de censo) de 1527 apenas se referem as aldeias de Ramires e de Vale de Papas, a primeira com 8 moradores (fogos), a segunda com 3 – cerca de, respetivamente, 28 e 11 habitantes cada [3]. Verdozedo (imagem 2) terá surgido mais tarde: um pequena povoação ao longo de um arruamento, provável ramal da estrada que ligava Ramires ao Douro. Na beira deste caminho edificou-se a capela de Nossa Senhora da Ajuda – a lembrar o auxílio pedido pelos que tinham que enfrentar os perigos dos caminhos.

Numa das respostas ao inquérito de 1758, posto a circular depois do Grande Terramoto de 1755 para se conhecer o estado do Reino, o padre de Ramires escreveu: «O Pároco é Cura, apresentado pelo Abade de Miomães, e a côngrua São doze mil Reis» [4], ou seja, quem nomeava o padre para Ramires era o Abade de Miomães e este recebia a côngrua (pensão) de 12000 réis. Na hierarquia eclesiástica, cura era o eclesiástico com o estatuto inferior, o que se reflectia no ordenado ou pensão que auferia. Acima dele estavam os reitores ou vigários e, no topo, os abades.
Este fenómeno de criação de novas paróquias, deve entender-se à luz de aspectos demográficos e políticos: por um lado o crescimento humano que obrigava a novos templos, por outro a distância às igrejas matrizes, dificultadas por maus caminhos e obstáculos geográfico e, ainda a necessidade de assegurar fontes de rendimento a instituição e indivíduos através da criação de novas igrejas e respectivos padroados. A partir de uma rede de igrejas principais, fundadas na alta e baixa Idade Média, criaram-se filiais, uma rede crescente de capelanias e curatos, como no caso de Ramires.
Na criação da nova paróquia de Santa Marinha de Ramires deve haver-se tido em conta a distância das povoações à matriz mais próxima, como no caso de Vale de Papas, que se se lhe anexou. Vale de Papas é um lugar sensivelmente equidistante entre as igrejas de Ovadas, Gralheira e Panchorra, mas que acabou por ser integrada na paróquia de Ramires. Mais próximo desta povoação, a de Pimeirô continuou a pertencer à freguesia de São Pedro de Ferreiros de Tendais. Sem documentos, dificilmente compreenderemos as lógicas destas escolhas que passariam, entre outros critérios, pela malha viária que na altura ligava as povoações e pelas distâncias que demorava a percorrer entre cada uma.
Ramires compõe-se hoje pelos lugares de Malhadinhas, Outeiro, Paço, Portelinha, Ramires, Sabroso, Vale de Papas e Verdozedo [5]. Devemos, contudo, chamar a atenção para o topónimo Paço, que nos remete para reminiscência de residência senhorial medieval. O paço, do latim palatium > que originou «palácio», constituía moradia de senhores nobres o que em Ramires tem particular interesse, pois a esta terra se ligam os nomes de Mem Moniz e D. Cristina Gonçalves, respectivamente irmão e cunhada de Egas Moniz, conhecido como o Aio. Este casal foi responsável por uma política de povoamento e repovoamento, no século XII, de várias localidades no Montemuro, nomeadamente em Tendais, Alhões, entre outros lugares. Ramires era uma das suas honras, isto é território senhorial onde famílias nobres, como as dos Monizes, tinham direitos e bens. Nas inquirições de 1288 referem as testemunhas interrogadas que «no luguar que chama Ramires ha hua quintaa que foi de Fernam Perez e disse que a viou onrrada e disse que onrra toda Ramires e Val de Papas porque disse qu foy herdamento de don Meen Moniz» – ou seja no século XIII esta povoação, espécie de enclave em terra do rei, era de nobres, onde não entravam os homens do monarca, que ordenou deixasse assim continuar [6] .

Voltando ao inquérito de 1758, sabemos que a igreja de então tinha uma só nave e três altares e retábulos, o maior dedicado a Santa Marinha e dois colaterais, um à Virgem do Rosário e outro a São Sebastião. Para além da igreja havia uma ermida em Vale de Papas, também dedicada a São Sebastião (imagem 3). Protector contra a peste e a guerra, São Sebastião era um dos mais afamados santos da Idade Média e da época moderna, justificando-se, por isso, a sua devoção em terras de Ramires: cabia-lhe proteger o corpo colectivo e o individual, contra as epidemias e a notícias de guerra.
O pároco de Ramires foi um dos que, no território do actual município de Cinfães, redigiu a mais curta missiva ao interrogatório de 1758, indicando: «Ser esta freguesia tão Limitada, que não tem nada do que neles Se devia dar Relação» [7]. Embora a freguesia fosse pouco extensa em território, talvez a pouca vontade ou disponibilidade do pároco, deixasse por indicar notas a respeito do rio e da serra, itens aos quais entendeu não responder como os seus congéneres vizinhos. De facto, com uma área menor, a freguesia de Ermida do Douro, próxima a Ramires, possui uma das mais elaboradas memórias de 1758, escrita por um cuidadoso e letrado abade.
Pinho Leal escreve que, em Ramires, existia um castelo do tempo dos Godos, mas não indica como obteve tal informação, nem em que se baseia para a registar. Referir-se-ia ao Paço? Seria possível que no século XIX ainda existem vestígios deste paço, através de edificado ou apenas da tradição? [8]. Em todo o caso, hoje em dia embora os procurássemos não encontramos vestígios dessa residência senhorial que o topónimo recorda. Poderá também referir-se a um dos cumes da serra, nomeadamente àquele onde hoje se situa uma capela moderna, dedicada a Santa Bárbara.
Finalmente, embora alguns autores associem a povoação de Ramires de Cinfães à ilustre casa criada por Eça de Queirós, nada prova esta relação. Muito embora o escritor se relacionasse com esta geografia pelo casamento com D. Emília de Castro Pamplona (1857-1934), filha dos Conde de Resende, proprietários na região desde o século XVI, associar a Torre da Lagariça à Casa de Ramires, assim como outros topónimos do romance é apenas um exercício que nada acrescenta à obra ficcional. De resto, se houve escritor cosmopolita e avesso ao rural, esse foi Eça de Queirós que bem poderia ser personificado no seu Jacinto de «A Cidade e as Serras», o qual de Paris, visitara relutante, como ele, um certo lugar de Tormes, que alguns situam do outro lado do Douro, quase à vista de Ramires.
NOTAS
[1] – [S.A.] – «Ramires». In Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. Lisboa: Editorial Enciclopédia, s.d., vol. 24, p. 326. Embora não assinados os verbetes relativos a localidades em que se desenvolvem questões de toponímia e história local são atribuídos a Armando de Almeida Fernandes.
[2] – M. Gonçalves da Costa associa o Ramiro de Miragaia ao de Ramires, baseando-se na obra «Tradições de Portugal», cf. COSTA, M. Gonçalves da – História da cidade e bispado de Lamego: Renascimento II. Lamego: [Diocese de Lamego], 1984, p. 348.
[3] COLLAÇO, João Tello de Magalhães – Cadastro da População do Reino (1527). Lisboa: [edição do autor], 1931, p. 145. O lugar mais populoso de Ferreiros era, então, Covelas (21 moradores) e os menos populosos ou com menos fogos os que orçavam por 1 morador.
[4] – Publicado em CAPELA, José Viriato, coord.; MATOS, Henrique, leitura, notas, etc.ª – As freguesias do Distrito de Viseu nas Memórias Paroquiais de 1758. Braga: [s.e.], 2010, p. 243.
[5] – Indicados no verbete «Ramires», COSTA, Américo – Dicionário Corográfico de Portugal Continental e Insular […]. Edição do autor, 1948, vol. X, p. 29.
[6] – SOTTIOMAYO-PIZARRO, José Augusto de, ed. – Portugaliae Monumenta Historica […] Inquisitiones. Inquirições Gerais de D. Diniz de 1288: sentenças de 1290 e Execuções de 1290. 1.ª edição. Lisboa: Academia das Ciências de Lisboa, 2015, p. 447, 448-449.
[7] Idem, ibid.
[8] – LEAL, Augusto Soares de Azevedo Barbosa de Pinho – Portugal Antigo e Moderno. Lisboa: Livraria Editora de Mattos Moreira & Companhia, 1878, vol. 8, p. 46.
A reforçar a nossa hipótese de que o mítico «castelo dos godos» tenha sido no lugar do Paço encontramos, na monografia de Cinfães, de 1954, a seguinte referência: «Corre a tradição de que, no lugar do Paço desta freguesia viveu um rei chamado Ramiro, o qual, por vezes, guerreava com um seu irmão da Casa da Torre da Lagariça, em S. Cipriano». Cf. GUIMARÃES, Bertino Daciano R. S. – Cinfães. Porto: Junta de Província do Douro Litoral, 1954, p. 90.
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Ex.º: RESENDE, Nuno – «Giraldo Geraldes, o sem pavor». História de Cinfães, https://historiadecinfaes.pt/, consultado em linha em 17-10-2009.

Professor. Universidade do Porto. Portugal.