Os Paços do Concelho de Cinfães.

Paços do Concelho de Cinfães em bilhete-postal circulado antes de 1910. Colecção de Nuno Resende.

 

A construção de uma infraestrutura física moderna para alojar os Paços do Concelho foi preocupação transversal a todos os municípios portugueses durante o século XIX. Tratava-se de dar uma nova dignidade ao exercício do poder local e simbolizar o novo regime liberal, mas, sobretudo, de implementar um modelo de espaço multisserviços, que reunisse, no mesmo edifício, serviços da administração local, quer da Câmara Municipal, quer da Administração de Concelho; serviços de Justiça e serviços desconcentrados da Administração Central, como, por exemplo, as repartições da Fazenda. Este modelo de equipamento visava, como afirmará já no início do século 20 Bernardo de Sá, o projetista dos novos Paços do Concelho de Oliveira de Frades, obviar ao incómodo para o público de serviços distribuídos por vários espaços físicos. Com este modelo “ficam elas (as repartições públicas) reunidas num só edifício com grande vantagem para o público, pois lhe evita o incómodo e perda de tempo em percorrer distâncias grandes, quando tiver que tratar de tratar de qualquer negócio em diversas repartições” (SÁ, 1908).

O novo edifício para as” repartições públicas”, como era também muitas vezes designado, podia ser concretizado através da construção de um equipamento de raiz, da aquisição de edifício existente no espaço da sede do concelho, objeto, posteriormente, das necessárias obras de adaptação ou mesmo da renovação de Paços do Concelho já existentes. Em qualquer dos casos, o seu custo, apesar de projetos com uma diferente ambição, representou sempre um esforço de investimento significativo por parte das câmaras municipais, muito para além do que permitia a receita corrente; pelo que o recurso a outras fontes de financiamento, como empréstimos, foi uma necessidade.
As administrações municipais de Cinfães almejaram também a construção de um novo edifício para alojar os Paços do Concelho e as repartições públicas, tanto mais que o alargamento do concelho a partir de 1855 (pela inclusão de vários concelhos limítrofes, como Sanfins ou Tendais) exigia um equipamento capaz de responder ao crescimento e complexidade da nova vida municipal.

O processo tem início com um projeto de lei apresentado à Câmara dos Deputados por Alberto Pimentel em sessão de 12/01/1883 com vista a conceder à Câmara de Cinfães a possibilidade de usar parte do Fundo de Viação para a construção do Paços do Concelho. Esta proposta é reforçada por uma petição apresentada à Câmara dos Deputados pela Câmara em maio do mesmo ano (Diário do Governo, nº 106, 12/05/1883).

A apresentação do projeto de lei por Alberto Pimentel resulta, em primeiro lugar, do facto deste escritor, publicista e político de nomeada, ser, nesta altura, deputado eleito pelo círculo Cinfães-Resende; e da sua relação familiar e pessoal com o concelho que o levou a dinamizar vário tipo de iniciativas de desenvolvimento local (ver RESENDE, 2013) .

O Parlamento terá votado favoravelmente esta pretensão, dado que o projeto de lei proposto vem a concretizar-se na lei de 22/04/1884, através da qual o Governe concede efetivamente à Câmara a possibilidade de usar o valor solicitado no projeto de lei.

A necessidade de construir um novo espaço radica, de acordo com a própria Câmara, no facto de os vários serviços municipais, incluindo Tribunal e Cadeia, e outro tipo de serviços como a Administração do Concelho, repartição de finanças, conservatória, etc. se encontrarem localizados fisicamente em locais dispersos da Vila e em instalações habitacionais comuns, “prédios alugados sem a precisa capacidade e decência”, como afirma na referida petição que faz à Câmara dos Deputados. Por outro lado, a necessidade de recorrer ao Fundo de Viação para encontrar a totalidade da receita necessária justifica-se, de acordo ainda com a referida Petição, porque “não cabe nas forças tributárias d’este município a despesa total d’um edifício para todas as suas repartições públicas”. De facto, prevê-se um custo total mínimo de 12 000,000rs, a serem custeados da seguinte forma: 8 000,000rs do Fundo de Viação e 4 000,000rs da receita municipal (valores nominais) [1]. A Câmara teria já previsto no orçamento de 1883 o valor de 2 500,000rs para este efeito, o que se confirma. Dada a inexistência de projeto para este caso, não é possível saber com detalhe se estava incluída despesa de equipamento, mas, a julgar por outros casos (por exemplo, os projetos de Carregal do Sal e de Oliveira de Frades), este tipo de despesa não se encontra incluído no projeto de obra, nem outro tipo como aquisição de terrenos.

O recurso ao Fundo de Viação para financiar o projeto inaugura uma prática, por parte da Câmara de Cinfães, de utilização sucessiva deste recurso financeiro para vários tipos de obras públicas. O Fundo de Viação, criado no início da década de 80, formalizava em novos moldes uma anterior obrigação municipal, com origem na legislação dos anos 60 sobre Viação, de constituir, a partir da receita municipal anual, um fundo financeiro (na altura denominado Dotação para Viação) que permitisse às câmaras municipais concretizar o papel que lhes era atribuído na construção de estradas inter e intra-concelhias (as estradas de 1ª e 2ª classe). Por razões que ultrapassam em muito o âmbito temático deste artigo, muitas câmaras municipais, como a de Cinfães, foram acumulando um valor que não utilizaram para o fim a que estava destinado. A existência destes saldos foi permitindo, nas décadas de 80 e 90, que as câmaras propusessem ao poder político central a sua utilização para outros fins, nomeadamente obras públicas concelhias.

A construção deste novo edifício dos Paços do Concelho e demais repartições públicas, obra aparentemente tão almejada e símbolo do novo concelho liberal, parece ter-se prolongado pelo longo período que vai provavelmente desde 1885 a, pelo menos, 1896 [2].

Numa nota ao orçamento para o ano económico de 1890, a Câmara refere que o edifício já se encontrava em construção, mas ainda não em condições de lá ser instalado qualquer serviço. Aliás, a Câmara parece estar muito interessada na aceleração da obra, dado que inscreve a quantia de quase 6 contos de réis (5 991,513rs) no orçamento de 1889, embora reconheça que nada foi possível concretizar. Assim, no ano seguinte, volta a inscrever no orçamento um novo e mais significativo valor (10 465,116rs) para acelerar definitivamente o ritmo construtivo. De facto, e apesar de nesse ano terem sido gastos apenas 3 955,123rs, nos cinco anos seguintes (1890-1895), a construção do edifício recebe um decisivo avanço: neste período a despesa municipal com a construção ascende a mais de 16,5 contos de réis (16 739,849rs.).

Num breve cômputo do estado da obra elaborado pela Câmara no orçamento de 1896 dá-se conta que o edifício se encontra praticamente concluído, excetuando os trabalhos de “trolha”, ou seja, de pintura de exteriores e o estuque e pintura do Salão Nobre dos Paços do Concelho, prevendo-se que estes trabalhos terão um custo de 714,286rs. A aquisição de mobiliário tinha começado, aliás, no ano anterior com uma primeira despesa no valor de 204,560rs. Estes últimos trabalhos de pintura levam a CM, ao contrário do que era a prática comum da arrematação de trabalhos por especialidade (carpintaria, “pedraria” como então se classificava, etc.) a fazer a aquisição direta dos produtos necessários para obviar a “prejuízos resultantes do mau fornecimento dos materiais para a obra de pintura (…) quer na qualidade, quer na quantidade”, o que se traduz logo neste ano numa despesa de 317,388rs.

Num modelo comum deste tipo de equipamento, o edifício construído destina-se a albergar todas as “repartições públicas”, sejam elas instrumentos do poder local ou do poder central: no rés-do-chão situam-se as cadeias (previsivelmente masculina e feminina), a repartição da Fazenda, a Recebedoria, o gabinete para o contínuo, a arrecadação e os gabinetes para quatro cartórios; no 1º andar estão instalados o Salão Nobre dos Paços do Concelho, o Tribunal, a Conservatória, a Administração do Concelho, a Secretaria da Câmara e o Arquivo (cf. Figura 1).

Calculado previsivelmente em 15 189,873rs (12 contos de réis a preços nominais), o custo final da construção (excluindo equipamento) ascende a 20 123,591rs, o que representa mais 32,48% da previsão inicial, ou seja, praticamente mais 5 contos de réis. Desconhecendo o custo efetivo do projeto, é difícil avaliar a importância deste desvio. A este custo construtivo, acrescenta-se um pouco mais de 1 conto de réis (1 058,154rs) para equipamento, despesa que se prolonga até 1901.

Não existem evidências que permitam identificar o momento a partir do qual os serviços foram transferidos para o novo espaço, mas tudo indica que esta transferência terá sido realizada de forma progressiva, provavelmente ao longo dos anos de 1895 e 1896.

Paulo Leitão

 

NOTAS

1 – Os montantes financeiros são deflacionados de acordo com o índice de preços calculado por BASTIEN, Carlos – Preços e salários. In Estatísticas históricas portuguesas. Lisboa: INE, 2001, pp. 615-655. Disponível em: https://tinyurl.com/yd8jl6u2 . Excetuam-se os casos em que exista indicação em contrário traduzida na expressão “valores nominais”.

2 – É no orçamento municipal para o ano de 1885 que aparece, pela primeira vez, uma rubrica de despesa para a construção do novo edifício.

FONTES E BIBLIOGRAFIA

Câmara Municipal de Cinfães – Orçamentos e Contas de Receita e Despesa da Câmara Municipal de Cinfães entre 1885 e 1901
Câmara de Cinfães – Petição à Câmara dos Deputados. Diário do Governo, nº 106, 12/05/1883.
Disponível em https://digigov.cepese.pt/pt/homepage
Lei de 22/04/1884. Disponível em
Sá, Bernardo J. Moura de – Projeto para a construção do edifício dos Paços do Concelho e repartições públicas da Vila de Oliveira de Frades, 1908
RESENDE, Nuno – Dicionário biográfico e histórico de Cinfães: Alberto Pimentel (1849-1925) Porto: [edição do autor], pub. em htp://historiadecinfaes.blogspot.pt/2013/10/dicionario-biografico-e-historico-de.httml

About the author

Professor. Universidade do Porto. Portugal.

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