Meridãos: breve História

Imagem 1

 

A povoação de Meridãos situa-se na freguesia de Tendais do município de Cinfães. Encontra-se implantada num pequeno planalto entre os 680 e os 720 metros de altitude. Voltada a nascente, no vale da ribeira de Tendais (imagem 1), Meridãos cresceu ao longo de um caminho que acompanhava a curva de nível pelos 700 metros de altitude, no sentido norte-sul. Este povoamento unilinear que ainda se observa nas cartas militares e nas fotografias aéreas (mapa 1 – «rua da Portela»), liga os sítios da Ribeirinha e da Portela, extremos da aldeia. Sensivelmente a meio deste percurso saíam outros caminhos, um no sentido nordeste, ligando Meridãos ao sítio do Outeiro, e outro a nascente, ao lugar de Fundo de Vila.

Mapa 1 – Meridãos.

Herdeiro, talvez, de um dos primeiros caminhos ou trilhos de humanização entre a ribeiras do Bestança e do Douro e os cumes da serra, este caminho constituiu, na Idade Média, uma linha dorsal do aro de Tendais, isto é, da primitiva paróquia ligando Marcelim, Mourelos, Meridãos e Aveloso.
Assim, a antiga villa (1) medieval de Meridãos parece ter evoluído de uma povoação disposta ao longo de uma via (povoamento unilinear) para um aglomerado concentrado, irrigado por dois cursos de água: o ribeiro de Meridãos e o Rêgo.

Talvez este posicionamento no território, ao centro do aro (mapa 2) justifique a origem do topónimo Meridãos, de meridional, ao sul ou ao centro, e não colónia de gentes provenientes de Mérida, como sugeriram Piel e Pedro Cunha Serra (2) . Seria estranho, aliás, considerar a hipótese desta colonização, tendo em conta a inexistência de factos ou dados documentais que a justifiquem. De resto a evolução etimológica do topónimo não evidencia tal ligação aos emeritanos, como se vê: Murdaaos/Miridaos em 1258; Myridães (3) em 1513; MyRuidaos (4) em 1527, Meridonis (5) , em 1758.

A microtoponímia ou o estudo dos nomes dos lugares, sítios, ou propriedades, etc., ajuda-nos a compreender a formação e o desenvolvimento de Meridãos, desde pelo menos o século XIII, quando é referida como villa do aro de Tendais. Nos extremos da povoação encontramos os já referidos topónimos de Ribeirinha e Portela, entradas e saídas da aldeia que aludem à orografia do lugar; e ao centro o Terreirinho (imagem 2), espaço de confluência e encontro de caminhos, a formar praça irregular. Há ainda a Quintã, talvez o núcleo primeiro e mais antigo de Meridãos a recordar casa de nobre ou senhor. O lugar de Fundo de Vila consolida a ideia do núcleo principal – a villa – em função do qual se estruturaram outros, como este pequeno lugar.

Imagem 2 – Casas no Largo da Feira (1948). Foto gentilmente cedida pela Dr.ª Maria do Céu Soares Resende.

A origem do Outeiro será diversa da origem de Fundo de Vila, por ter constituído, desde cedo, importante núcleo humano honrado, isto é, da nobreza local. Ali tinha casa (outra quintã) Martim Lourenço de Matos, referido nas inquirições de D. Dinis (6) , de 1288.

Mapa 2 – freguesia de Tendais com indicação de hidrografia, estradas, lugares e linhas de alta tensão.

Através das instituições que detinham propriedades em Meridãos, como os mosteiros de Travanca, de Salzedas e da Ermida do Paiva, é possível conhecer a formação e dilatação do termo da povoação, isto é o incremento do território agrário, silvícola e pastoril, «roubado» pelo Homem à Natureza (7) . No século XVI, os limites de Meridãos, iam estendendo-se, por um lado a caminho do ribeiro de Barrondes e, no sentido oposto, entestando com os de Mourelos, no sítio do Urgal (palavra derivada de urze). Este limite em particular era assinalado pelo Penedo do Bico, que se chegou a considerar um menir (imagem 3) (8) (monumento megalítico), mas deverá tratar-se de um marco de demarcação territorial datado, provavelmente, da época moderna.

Imagem 3 – Penedo do Bico

Em 1527, Meridãos era o lugar com mais fogos no concelho de Tendais, 21, num total de 150. A sua posição, onde afluíam os tais caminhos dos cumes da serra e de além dela (de Alvarenga, por Aveloso, por exemplo) com os que conduziam à zona ribeirinha do Bestança poderá explicar a sua importância, a que não será alheia a escolha do lugar para receber o celeiro do senhorio da terra, referido no século XVI. Em Meridãos escolheram morar, também, algumas das principais elites do concelho, procurando com as suas casas ocupar pontos destacados na geografia da aldeia, como a Portela ou o Rêgo, ambas voltadas para lugares de passagem ou centralidade.

No século XVIII Meridãos perde população para Soutelo e Vila de Mures que eram, então, os lugares com mais fogos. Todavia, as elites com os principais cargos da governança mantinham-se na povoação, não obstante a igreja matriz e o pelourinho (símbolo local da administração judicial) ser noutro lugar, no de Quinhão, em frente a Meridãos, do outro lado do vale (9) . Geografias de poderes que geraram conflitos e rivalidades, plasmadas em anos de afastamento social.

A centralidade do lugar e certamente o favorecimento das governanças locais determinaram a passagem de um mercado que acontecia no sítio de São Sebastião, abaixo de Mourelos, para o lugar de Meridãos que passou a beneficiar na segunda metade do século XIX e primeira do século XX desta feira regional. Designava-se feira dos 23, por se realizar mensalmente nesse dia.

Era natural de Meridãos o primeiro abade natural da freguesia, e que foi um dos principais doadores para a construção da nova igreja matriz de Tendais, concluída em 1777. De seu nome Dâmaso Pinto de Resende, exerceu o ministério em Real, hoje do município de Castelo de Paiva, antes de ser apresentado na abadia de Tendais.

Também em Meridãos morava no final do século XVIII, o capitão-mor das ordenanças de Tendais (responsável pelo policiamento e pelo serviço militar), que construiu, a partir da sua genealogia, a imagem de um ilustre nobre, com o pomposo nome de Manuel Correia de Sá Pinto Figueiredo Machado Resende Rêgo. Procurando reclamar para si a ascendência das principais famílias de Tendais, pediu carta de armas que lhe foi autorizada a usar, em 1794: um escudo esquartelado; no primeiro quartel as armas dos Correias, no segundo as dos Peixotos, no terceiro as dos Sás, e no quarto as dos Pintos. O Padre Alfredo Pimenta asseverava (10) que as armas poderão ter existido numa pedra no portal da casa da Portela, apeadas em 1910, depois da proclamação da república, mas a terem existido, perdeu-se o paradeiro delas.

Mercê da permanência de elites em Meridãos ainda nos séculos XIX e XX o lugar foi sendo palco para vários acontecimentos e visitas famosas, nomeadamente durante a Patuleia. Neste conturbado tempo de lutas entre facções monárquicas à Esquerda e à Direita, aqui morava o tenente os Pintos da Fonseca e os Correias, de Gosende, miguelistas que semearam o terror na região. Já depois da República, as famílias do Outeiro recolheram de jesuítas foragidos à perseguição do regime. Um deles, Eugénio Jalhay, publicou um interessante trabalho sobre objectos que apareceram no sítio arqueológico do Castêlo – lugar de um possível castro (fortificação da Idade do Ferro) – «Alguns cossoiros notáveis do “Castêlo” de Tendais», pub. Revista de Arqueologia, Vol. 1. (1934).

Imagem 4 – Capela e Casa do Rêgo (1990). Foto de Nuno Resende.

Na casa do Rêgo (imagem 4) morreu, em 1838, o último presidente da Câmara Municipal de Tendais, chamado Manuel Rodrigues da Rocha Figueiredo.

Em 9 de novembro de 1947 a aldeia recebeu a visita do padre Vergílio Pereira, musicólogo ao serviço da Junta de Província do Douro Litoral, que coligia elemento para o Cancioneiro de Cinfães. Aqui recolheu, entre várias espécies melódicas, destacamos o vira-fandango que se tornou letra do célebre Fado de Cinfães, cantado por Amália Rodrigues:

Eu por ti suspiro,
Eu por ti dou ais
Eu por, não posso
Suspirar já mais!

Talvez foi ser aldeia de nobres, se compreenda os vários letrados que nasceram em Meridãos, entre sacerdotes, bacharéis, médicos, escritores e até um fotógrafo!

Dos 89 eclesiásticos que identificámos naturais de Tendais desde o século XIII, 16 eram de Meridãos, nomeadamente o já referido Abade de Real e de Tendais, Dâmaso de Resende (nascido em 1732); o vigário de Vigário de Nossa Senhora do Ó (comarca de Alagoas), no Brasil, Domingos de Resende Figueiredo (viveu no século XVIII); o reitor de Travanca, José Teixeira de Almeida (século XIX) e o reitor do Pinheiro, Manuel da Silva de Figueiredo (século XIX). Foi também um padre chamado Manuel da Fonseca, o administrador da capela de Nossa Senhora dos Remédios, instituída no início do século XVIII, hoje conhecida por capela de Santa Quitéria. Meridãos nunca teve capela pública, servindo-se das de Sá e de São Pedro do Campo para cuja fábrica (reparação e manutenção) contribuíam os moradores (11) .

Um dos filhos do último presidente da Câmara Municipal de Tendais, chamado José da Rocha Figueiredo rumou ao Porto por volta de 1850-1860 e tornou-se fotógrafo e um dos proprietários da Photographia União, situada à antiga Praça de Santa Teresa, hoje Guilherme Gomes Fernandes. O seu irmão Francisco Pinto de Figueiredo seguiu para África, como colono.
Desta família descendem, também, os Pintos de Resende, da vila de Cinfães que se destacaram nas armas, no sacerdócio e nas letras (12) .

A Meridãos ligam-se, ainda, os nomes de António Jorge de Figueiredo, advogado, José Cabral Pinto de Rezende, advogado e genealogista , os dos Resendes e Sousas da Casa do Outeiro, nomeadamente o do Monsenhor Antero Fernandes de Sousa, o médico dr. Alpoim Resende Sousa e dos seus filhos, Dr. Carlos Soares Resende e Dr.ª Maria do Céu Soares Resende. Da Casa da Portela é actual proprietário da Portela o Dr. Adriano Figueiredo, médico-dentista.

Ângelo da Silva Melo, filho de Joaquim da Silva Melo e de Estefânia Rodrigues, nascido em Meridãos em 1896, foi 1.º cabo do CEP – Corpo Expedicionário Português que participou na I Grande Guerra. Condecorado com a medalha comemorativa de expedição à França em 27-2-1919. Emigrou para o Brasil em 1940.

Envelope com publicidade de negócio em Meridãos. Colecção Nuno Resende.

Recentemente (2022) faleceu o advogado Antero da Silva Resende, natural de Meridãos, onde nasceu em 1926.

Mas nem só de filhos ilustres se faz uma terra. Convém lembrar os anónimos e as anónimas que seguiram caminhos diversos, alguns deles árduos como os da migração e imigração. A partir das décadas de 1860/1870 temos registos dos primeiros imigrantes de Meridãos, primeiro para o Brasil e, numa fase posterior, já no século XX, para o centro da Europa, França e Suíça. A maioria, porém, seguiu para Lisboa e para o Porto regressando apenas nas festas principais do Natal ou da Páscoa e no Verão.

Ao longo do século XX instalaram-se em Meridãos alguns dos principais equipamentos da freguesia, tais como a Escola dos Centenários e a Casa do Povo. A aldeia tinha uma mercearia e posto de distribuição do correio, ambos a cargo de Manuel António Resende Sousa.

Em 1983 fundou-se o Rancho de Santa Quitéria, que deve o seu nome à capela do lugar e que confirma o bairrismo das gentes de Meridãos, apartadas do resto da freguesia por um fervor particularmente expressivo quanto à identidade da sua aldeia.

 

NOTAS:

1 – Villa designava na Idade Média, um espaço humano e agrícola, diferente do significado administrativo actual.
2 – SERRA, Pedro Cunha – Contribuição topo-antroponímica para o estudo do povoamento do Noroeste Peninsular. Lisboa : Instituto de Alta Cultura, 1967, p. 57 (ver remissão para Piel, p. 9).
3 – Apud MARQUES, Maria Alegria; RESENDE, Nuno – Terras e gentes: os forais manuelinos do actual concelho de Cinfães. [s.l.]: Câmara Municipal de Cinfães, 2013. ISBN: 978-989-98362-0-4.
4 – COLLAÇO, João Tello de Magalhães – Cadastro da População do Reino (1527). Lisboa: [edição do autor], 1931.
5 – CAPELA, José Viriato, coord.; MATOS, Henrique, leti., notas – As freguesias do Distrito de Viseu nas Memórias Paroquiais de 1758. Braga: [s.e.], 2010. ISBN: 978-972-98662-5-8.
6 – SOTTOMAYOR-PIZARRO, José Augusto, ed. e notas – Portugaliae Monumenta Historica […] Inquisitiones. Inquirições Gerais de D. Diniz de 1288: sentenças de 1290 e Execuções de 1290. 1.ª edição. Lisboa: Academia das Ciências de Lisboa, 2015. ISBN: 978-989-8647-55-9.
7 – A este respeito cf. o nosso trabalho de 2010: RESENDE, Nuno – «Escrever História sem palavras. A influência económica e espiritual dos mosteiros cistercienses de S. João de Tarouca e de Salzedas, na serra de Montemuro, através da análise de fontes indirectas (séculos XVI a XVIII)». In GONZÁLEZ GARCIA, Miguel Ángel, org. & CARREIRAS, José Albuquerque, org., Actas IV Congreso Internacional Císter en Portugal y en Galicia. Braga-Oseira: Ediciones Monte Casino, 2010. Vol. 1, 345-390.
8 – PINHO, Luís M. da Silva – Património Arqueológico do Vale do Bestança. Cinfães: Associação para a Defesa do Vale do Bestança, 1997. Nesta obra assinala-se a existência de vestígios arqueológicos na Gandarela, entre Meridãos e Aveloso.
9 – Em Meridãos foi erguido, em 1940, o Cruzeiro da Independência, que pretendia comemorar a tríade fundacionista do Estado Novo segundo um espírito salazarista de fé e cruzada: 1140, criação do reino de Portugal, 1640, restauração da independência e 1940, reconstrução da ideia de nação providencial. Talvez este cruzeiro viesse sinalizar, também, uma nova centralidade, perdida com o desaparecimento do pelourinho de Quinhão.
10 – PIMENTA, Alfredo A. – Brasões de Cinfães. [s.l.]: edição do autor, 1976.
11 – A este respeito, o das capelas e ermidas de Tendais e da relação de Meridãos com os vários templos e devoções da freguesia, ver: RESENDE, NUNO – A Igreja de Tendais: culto, comunidade e memória. Tendais: Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia de Tendais, 2018. Em 1955 havia, para além da capela de Santa Quitéria, outras duas particulares: a Sagrado Coração de Jesus, pertencente aJosé Borges e a do Sagrado Coração de Jesus, oratório da Casa do Outeiro, de Adelaide Resende Gouveia Osório. Hoje somam-se a estas a Capela de São José, da Quinta do Casal do Meio, propriedade do sr. António Pinto de Resende.
12 – Ver: RESENDE MENDES, Nuno; REZENDE, José Cabral Pinto de, colab.; REZENDE, Miguel Pinto de, colab.- Retratos da Terra e de Família. Porto: Câmara Municipal de Cinfães, 1997.
13 – Autor da obra: REZENDE, José Cabral Pinto de; REZENDE, Miguel Pinto de – Famílias Nobres nos concelhos de Cinfães, Ferreiros e Tendais nos sécs. XVI, XVII e XVIII. Porto: [Carvalhos de Basto], 1988.

About the author

Professor. Universidade do Porto. Portugal.

Comments

  1. Foi muito importante para mim conhecer a história da terra que me viu nascer. Obrigada pela v/ divulgação.

  2. Boa Tarde ExSrs Ao Ler A História Da Aldeia De Meridãos . Aldeia Onde Nasci E Me Orgulho .Se Assim O Entender Gostaria De Repor A Data Certa Da Fundação Do Rancho Sta Quitéria Foi A 25 De Julho De 1982 A Escritura É De Facto Em 1983 .Fico Eternamente Grato Pelo Trabalho Tão Nobre Prestado A Meridãos O Meu Muito Obrigado. (Viva Meridãos)

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Não faças copy-paste!