Dicionário Biográfico e Histórico de Cinfães: José Rodrigues da Silva Barroca

Assinatura de José Rodrigues da Silva Barroca

José Rodrigues da Silva nasceu[1] no lugar da Barroca de Quinhão, da freguesia e,  então, concelho de Tendais, em 1792. Em 1846, com cinquenta e quatro anos, fez o seu testamento, morando na rua das Taipas, número 25, da cidade do Porto[2]. Escrito pelo próprio punho, o testamento de José Rodrigues da Silva Barroca (o apelido tomou-o da alcunha pela qual eram conhecidos os moradores daquele sítio) descreve cenas camilianas, que merecem destaque, não apenas por revelarem a extraordinária fortuna de um homem, mas também a argúcia, a liberalidade e a filantropia de alguém que nasceu pobre ou remediado.

Recorte de mapa com a indicação dos sítios da povoação de Quinhão, entre eles o da Barroca

Diz ter sido casado com D. Mariana Monteiro de Lima Rego, falecida em Pernambuco em Novembro de 1824. Deste casamento teve dois filhos, António Valentim, vivo e residente naquela cidade brasileira, e Maria da Assunção, morta na companhia do pai, em 1840, no Porto. Fora do casamento admite ter havido um filho de uma criada chamada Maria Clara Gaivoto que mandou parir (a expressão é sua) a Braga. Pede que o reconheçam como filho legítimo, apesar de não o haver perfilhado. Chama-se José Maria Araújo da Silva.

Lembra a sua terra natal, a freguesia de Santa Cristina de Tendais, e os seus parentes ali viventes, como as suas irmãs Rosa e Ana, os respectivos cunhados e as filhas destes. A sua liberalidade estende-se até aos parentes em 4.º grau de consanguinidade, pois os que sendo pobres e «não lavrarem quinze alqueires de pão e terras suas e foguearem [habitarem] na freguesia», receberiam um quinhão de um legado de 100 mil réis.

Sabemos pouco sobre os seus pais e avôs. Os pais menciona-os no testamento, António da Silva e Violante Rodrigues. Através de uma reconstituição genealógica conseguimos chegar três gerações atrás mas a nomes de indivíduos que não integravam os cargos concelhios nem se destacavam socialmente pelos seus matrimónios ou apadrinhamentos. Todavia, no lançamento da Décima de 1762 o seu avô paterno Domingos da Silva, de Quinhão, aparece como proprietário, pagando 400 réis por prédios e 600 por rendas recebidas[3]. Silva Barroca, não era, portanto, de uma família de jornaleiros ou foreiros mas talvez de lavradores que cultivavam as próprias terras e, ou, as aforariam a outros. É provável, contudo, que seguindo o próprio impulso, ou aconselhado por familiar ou conterrâneo, deixasse a vida de lavrador para se tornar oficial mecânico.

Nada, ou muito pouco, nos diz o seu testamento sobre a sua fortuna, ou como a criou e com que recursos ou meios. Os nomes dos seus testamenteiros dão-nos a ideia de que se movia entre a alta burguesia da cidade do Porto, onde provavelmente enriqueceu. De todos os testamenteiros[4] sugeridos citamos o de Francisco de Oliveira Chamiço, conhecido banqueiro responsável por, entre muitas obras na cidade, a do magnificente Palácio de Cristal, inaugurado em 1865.

António Valentim da Silva Barroca, filho de José Rodrigues da Silva Barroca

Apenas por uma notícia sobre o sequestro de certo linho seu pelos miguelistas (referido por António Ferrão, em Reinado de D. Miguel, 1940, p. 545) e a posição do seu filho António Valentim como proprietário de uma Fábrica de Fiação de Tecido em Pernambuco, podemos inferir que se terá feito negociantes de panos. Talvez se tenha empregado, nos primeiros anos do século XIX, numa loja de tecidos, das muitas que existiam na Rua das Flores, aí começando por marçano ou empregado de balcão e depois abrindo o seu próprio negócio.

À data do seu testamento a sua fortuna orçaria os 40 contos, ou seja, 40 milhões de réis. Fazendo uma conversão simples, 40 milhões de reis ou 40 contos de reis equivaleria a 40 mil escudos o que em euros corresponde a cerca de 200 euros. Contudo, devemos utilizar um coeficiente de desvalorização da moeda para acertarmos o valor flutuante da moeda que, entre 1903 e 2008 corresponde a 4209,48. Assim, multplicando 200 euros pelo coeficiente 4209,48 obtemos a quantia de 841.896 euros que corresponderá, ainda assim, a uma estimativa inferior da fortuna total deste capitalista de Tendais.

O valor de 40 contos sabemo-lo pela indicação da vintena testamentária, isto é, da percentagem de 5% que cabia aos testamenteiros e que José Rodrigues da Silva Barroca estimava vir poder exceder os 2 contos de réis. Em legados deixa um total de 5,735.114 réis, ou seja, quase 6 contos de réis, a maioria para pobres, inválidos, presos, desamparados, homens e mulheres, velhos e novos, das cidades do Porto e Pernambuco e da sua freguesia de Tendais. Como o mesmo refere: «Não obstante os esforços de meus lícitos trabalhos, com tudo conheço que a Providência Divina me tem favorecido. É bem claro que a Providencia favorece mais uns para estes repartirem com os indigentes e desvalidos necessitados». Um legado particularmente curioso é o que deixa de 140 mil reis para a passagem de 8 rapazes entre 14 a 17 anos que, da freguesia de Tendais, quisessem embarcar para o Brasil. Dá grande importância ao trabalho comercial, o que certamente o enriqueceu, encaminhando o seu próprio filho natural para ser admitindo a comércio, em companhia do irmão, António Valentim.

O rigor com que estabelece condições, define destina legados e a forma como estes devem ser aplicados (inclusive com os seus parentes mais próximo), mostra-nos um homem bastante assisado e particularmente rigoroso: «como há malvados que logo vem algum pinto na mão do pobre lhe querem tira-lo, será melhor para alguns entregar-lhes o valor, que lhe tocar em pão, ou outra cousa de comer e governo».

Pelos registos paroquiais sabemos que Silva Barroca teve ter seis irmãos, mas apenas se refere às irmãs Ana e Rosa e aos cunhados, José da Rocha e Manuel Luis Pereira, maridos daquelas, e a Manuel Luís Pereira que fora casado com Quitéria, entretanto falecida[5] a 30-5-1835. Este casal tivera três filhas, mas apenas duas são mencionadas no testamento, sendo Ana afilhada do testador.

Casa de Silva Barroca, na Rua das Taipas, 25, Porto.

José Rodrigues da Silva Barroca faleceu no Porto[6], no seu palacete de arquitectura neoclássica da rua das Taipas, a 7-12-1846 e foi sepultado no Cemitério da Lapa, no dia seguinte.

O seu filho António Valentim da Silva Barroca, foi grande empresário e filantropo de Pernambuco, tendo obtido o título de Comendador e deixando vasta descendência até aos dias hoje, que ainda conservam o nome toponímico do pequeno, quase obscuro, sítio da povoação de Quinhão da freguesia de Tendais.

Do filho ilegítimo, depreendemos ter falecido jovem, pois a sua mãe testa, em 1861, pela alma dele, do seu pai, avô e tia paternos[7]. Morava no número 49 da rua das Taipas e morreu solteira no ano seguinte.

Pelo extraordinário contributo social José Rodrigues da Silva Barroca bem merecia o nome de uma rua no lugar de Quinhão, ou em qualquer novo arruamento da freguesia de Tendais. Assistiu à chegada dos Franceses, à passagem do Absolutismo ao Liberalismo (1820-1834), à independência do Brasil (1822) e circulou entre dois mundos separados pelo oceano tendo nesse período acumulado uma fortuna que distribuiu de forma generosa pelos seus conterrâneos e contemporâneos.

 

NOTAS

[1] ADV [Arquivo Distrital de Viseu], Paroquiais, Tendais, Baptismos, 1768-1811, fl. 238.

[2] AHMP [Arquivo Histórico Municipal do Porto], Testamentos, A-PUB/5249, fls. 107v-114v.

[3] ANTT [Arquivos Nacionais – Torre do Tombo], Décimas, Tendais, 1762.

[4] Eram cinco os nomes indicados: Serafim de Resende Rêgo, Joaquim José de Oliveira Falcão, Inácio José Marques Braga, Francisco de Oliveira Chamiço, Joaquim José de Campos. Todavia, o testador diz preferir os dois primeiros. Sobre Serafim de Resende Rêgo (cujos apelidos remetem para indivíduo natural de Tendais), sabemos morar, em 1846, na Rua da Fábrica do Tabaco, n.º 19. Foi ele que assistiu à abertura do testamento em 26-12-1846.

[5] ADV, Paroquiais, Tendais, Óbitos, 1832-1859, fl. 11.

[6] ADP [Arquivo Distrital do Porto], Paroquiais, Vitória, óbitos, fl. 56.

[7] AHMP [Arquivo Histórico Municipal do Porto], Testamentos, TG-b/616 – fls. 31-33v.

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Professor. Universidade do Porto. Portugal.

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