Travassos: Breve História

Vista sobre Travassos, o Paço e a casa de Fradegas

TRAVASSOS é uma povoação hoje dividida a meio pela Estrada Nacional 321,  situada a sul da vila de Cinfães. Antes de tal estrada ser construída, na década de 1970, já Travassos era servida por uma das principais vias de comunicação que ligava a antiga sede de concelho e freguesia às zonas alta e baixa da mesma, isto é à Ribeira, para Avitoure e Açoreira e, mais à serra, a Vila Viçosa, povoação serrana denominada, até ao século XVI, como Porcas.
Sinal desse lugar de trânsito, provável bifurcação ficou a venda , junto à estrada actual, mas ainda no percurso do caminho que ligava à vila de Cinfães, pela antiga feira das Galinhas, em frente ao lugar do Minhoso.

O topónimo Travassos pode explicar-se pela existência de uma mancha arbórea que asseguraria de madeira e lenha as povoações da primitiva freguesia medieval de Cinfães. O historiador Carlos Alberto Ferreira de Almeida refere que cada comunidade deveria ter no seu termo um sistema tripartido de divisão que assegurasse a sua subsistência: o agro, ou seja a terra de cultivo, o silvo, ou seja a parte silvestre, arbórea e de mato e o pastoril, que assegurava a alimentação aos animais para consumo, como as vacas, ovelhas e cabras.

Assim Travassos, poderá dever o seu nome a lugar de árvores, como assinala o Dicionário Toponímico da Infopédia:

Do baixo-latim trabatius, ‘trave’ e depois ‘tronco de árvore’. É também usado na Galiza como Trabazos. Também se escreve, mais raramente, Travaços, que parece ser a forma mais correta. Existem ainda outros derivados, Travacelas, Travacinho, Travassinhos, Travasso e Travelho (1).

É topónimo muito comum em território Português. O Dicionário Corográfico Administrativo e Judicial, de Bragança Gil Júnior, assinala 31 Travassos ou Travassós (2).
O historiador medievalista A. Almeida Fernandes dedica a Travassos de Cinfães uma extensa entrada na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, por considerar o lugar muito antigo, anterior à fundação de Portugal (século XII). Escreve que há referências a uma venda de 1097 em Porcas (hoje Vila Viçosa), no território próximo ao Bestança, que tinha como limites Travazus. E 1109 na discussão sobre a quem pertencia Porcas, e assinalando-se os limites desta villa, povoação agrária medieval, novamente aparece Travassos. Em 1258 referem-se, para além de Travassos, Açoreira, Abetoure e Lagarelhos, lugares na órbita de Travassos que pagavam vários foros ou rendas à Coroa e a vários senhores da região que as disputavam. Almeida Fernandes chama a atenção para a o facto de «raras vezes as Inquirições de 1258 dedicam tanto espaço e atenção a uma localidade como esta» (3), o que talvez se justifique pela posição do lugar e pelo acesso dos seus habitante vários recursos.

Pagela dedicada a Santa Luzia de Travassos (col. Nuno Resende).

Na época moderna, mais concretamente em 1527, tinha 28 moradores (fogos), sendo a povoação com mais fogos do então concelho de Cinfães – mais do que a própria sede de concelho, que tinha 12. Cabe aqui recordar uma tradição local que diz que a igreja matriz de Cinfães original deveria ser no sítio ou próximo da actual aldeia de Travassos. Mito, ou não, em Travassos situa-se uma dos pouco templos medievais, ainda preservados nos limites do concelho de Cinfães.

Comparação entre a ermida em 2007 e 2012. O reboco e a cal foram retirados, contra as boas práticas da conservação.

Trata-se da ermida de Santa Luzia, implantada a 430 metros de altitude, no extremo nascente do principal núcleo urbano de Travassos que depois se dispersa por outros pequenos núcleos satélites, como Paço, Campo da Ametade, etc. Composta por capela-mor e nave, apresenta a orientação canónica, isto é, fachada voltada a Oeste e cabeceira a Este, revelando assim provável fábrica medieval, embora profundamente intervencionada até aos dias de hoje. No interior, sobressai o arco cruzeiro, de volta perfeita de arestas limadas, sugerindo obra quinhentista. As imagens são todas contemporâneas ou posteriores ao século XVIII, destacando-se para além do culto patronal de Santa Luzia o de São Brás, invocações terapêuticas para males do corpo.

Nesta ermida institui uma capela (conjunto de benefícios a favor de determinado ou indivíduo ou família e suas almas) o padre António Nunes Leitão, em 1705. Explica, na escritura de capela, que tendo um conjunto de propriedades nas imediações de Travassos «as dota e as doa em vínculo de Capela a Santa Luzia que está pegada às moradas dele» (4). Sabemos, portanto, que o Padre António Leitão morava, no início do século XVIII, junto à ermida e que o seu legado poderá ter servido para custear a transformação que esta sofreu, provavelmente a ampliação da nave. Em 1758 a dita capela estava na mão um familiar do padre, chamado José Libório de Melo, morador no lugar de Mourilhe de São Cristóvão de Nogueira (5).

Da onomástica do lugar destacam-se, até ao século XIX, os Nunes, os Leitões, os Caldeiras, os Sousas e vários apelidos nobres que aqui se vieram, por casamento, como o caso dos da Quinta do Paço, um deles, no século XVIII, Caetano Pereira Bravo e Vasconcelos Osório, Capitão-mor no Concelho de Sanfins, casado com Maria Florinda de Noronha e Menezes de Vasconcelos, senhora da dita quinta.

Arco cruzeiro da ermida de Santa Luzia de Travassos

A apetência do lugar desenvolveu a existência de várias casas e quinta importantes, destacando-se as do Paço, de provável origem medieval, Campo da Ametade e Fradega ou Fradeça. Já no século XIV aqui havia uma quintã (unidade agrária senhorial): «No dia 14 de Maio da Era 1358 Vasco Martins, cavaleiro morador em Travassos, da freguesia de Cinfães, e sua mulher Beatriz Rodrigues doarão ao Mosteiro o Casal d’Auguelas, sito no Julgado de Porto Carreiro (…) § Pero Martins, Cavaleiro de Travassos (irmão do precedente Doador ao que parece) com aquela prepotência, e ousadia natural d’aqueles tempos guerreiros, em que a força era o direito supremo, inquietou a D. Domingos, começando a tirar subsídios e frutos dos Casais do Louridal, Felgueiras e outros sitos no Julgado de Cinfães, e pertencentes ao Mosteiro (…)» (6).

Mísulas em casa próxima à ermida de Santa Luzia.

No Paço (que bem poderá ser o lugar da tal quintã) viveram, até ao final do século XIX as ditas famílias de Noronha Menezes e Vasconcelos e Osório Bravo e na Ametade os Pereiras da Silva e Vasconcelos, nomeadamente o Padre António da Silva Pereira de Vasconcelos (1678-1759), abade do Touro, freguesia do actual concelho de Vila Nova de Paiva. Estas casas tinham os seus rendeiros e até escravos, como no vê pelo caso de Gracia, escrava de Paulo Nunes, de Travassos, falecida em Travassos a 12-10-1716 (7). No Campo da Ametade viveu, também, o Doutor Francisco António Pinto Vieira, formado em Direito pela Universidade de Coimbra, em 1803.

Na quinta do Paço poderá ter estanciado a escritora duriense D. Maria do Pilar Bandeira Osório (1813-1887) que, embora nascida na quinta da Granja (Cárquere, Resende), era neta materna da acima referida Maria Florinda (8). À quinta do Paços estavam ligadas as Famílias da Casa da Quintã, de Piães e os Cochoféis, de Resende, da Torre da Lagariça.

NOTAS
1 – Porto Editora – Travassos no Dicionário infopédia de Toponímia [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult. 2022-08-17 10:34:53]. Disponível em https://www.infopedia.pt/dicionarios/toponimia/Travassos.

2 – GIL JÚNIOR, José Bragança – Dicionário Corográfico, Administrativo e Judicial. Lisboa: Portugália Editora, 1968, vol. 2, pp. 835-836.

3- [FERNANDES, A. de Almeida] – «Travassos». In Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. Lisboa: Editorial Enciclopédia, Limitada, s.d., vol. 32, p. 664.

4 – AML [Arquivo Municipal de Lamego], Tombo da Provedoria de Lamego, fls. 63v-66v.

5- Apud CAPELA, José Viriato, COORD. ; MATOS, Henrique, leituras, notas, – As freguesias do Distrito de Viseu nas Memórias Paroquiais de 1758. Braga: [s.e.], 2010, p. 224.

6- MEIRELES, Frei António d’Assunção/ DIAS, Geraldo J. A. Coelho, fr., introd. fixação do texto e índice – Memórias do Mosteiro de S. Miguel de Bustelo. Penafiel: Museu Municipal, 2007, p. 53.

7- AMDL [Arquivo Museu Diocesano de Lamego], Paroquiais, Cinfães, 1697-1718, fl. 88v.

8- RESENDE, NUNO – «O Romantismo literário e os mosteiros cistercienses do Douro: uma voz feminina entre ruínas». In RESENDE, Nuno, & SEBASTIAN, Luís, coord. ed. – Cister no Douro. [s.l.]: DCRN/Museu de Lamego/Vale do Varosa, 2015, pp. 158-163.

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Professor. Universidade do Porto. Portugal.

Comments

  1. Muitos Parabéns pelo V/ trabalho.
    Travassos é a minha terra natal.
    Adorei o V/ artigo.
    Continuem.

    Cumprimentos.

    Joaquim Afonso

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